Uma das ferramentas mais importantes no programa Fazendo Minha História é o uso e apoio de livros para contar e construir histórias de crianças e adolescentes em acolhimento. Anos atrás, o Projeto Vagalume, responsável por levar bibliotecas a comunidades na Amazônia, lançou uma campanha junto a médicos com o mote para que receitassem livros às crianças no lugar de remédio. Como quem diz “livros podem curar”. Na antroposofia, contos e histórias permeiam todo o ensino fundamental e servem como um alimento para a alma. E, quando um alimento é bem servido, a criança toma dele o que precisa e se beneficia com seus personagens e as instâncias da própria alma. Porque histórias são curativas.

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Um provérbio português diz que quem conta um conto aumenta um ponto. Porque julga não existir um jeito certo de contar histórias e que, com o passar dos anos, as histórias ganham particularidades de sua própria época. São os protagonismos. Os “se apropriar” da própria história. Os Irmãos Grimm, responsáveis por coletar mais de 100 contos populares na Alemanha, lá por volta de 1880, foram fiéis aos ouvidos populares. A gente sabe também que quem escuta um conto passa a viver com ele no coração. Os grandes psiquiatras também são estudiosos dos contos de fadas, em especial. O psiquiatra suíço Carl Jung construiu, aos longo dos anos de profissão, o que chamamos hoje de arquétipos - um conjunto de imagens primordiais que se repetem e formam características de um sujeito. E muitas vezes nos reconhecemos nelas.

Estudo e teoria são o que não faltam sobre a importância das histórias e contos na infância. E pudera. Os contos falam de forma acessível sobre o que existe dentro da criança. “Porque o mundo real dela é interno, e não externo, como acham os adultos”, escreve o austríaco e um dos maiores psicólogos infantis, Bruno Bettelheim, no livro A Psicanálise dos Contos de Fadas. “Os contos, já em seus títulos deixam claro que se trata de um território fora do tempo e do espaço do adulto”.

Muitos adultos têm medo de passagens fortes e violentas nas histórias e acabam mudando palavras e passagens. Contam diferente e tentam amenizar a realidade do lado de lá. Mas não deveria ser assim. O alimento pra alma está justamente na dualidade entre o bem e o mal que vive dentro da gente. E experimentar esses sentimentos de forma quase abstrata faz um bem danado. O mal é o bem fora de contexto. Quem nunca ouviu essa expressão? Ou quem nunca viveu essa dualidade?

Crianças e adolescentes vivem diariamente a dualidade de sentimentos e buscar um apoio nas histórias é uma ferramenta de extrema importância. Ajuda a entender os próprios sentimentos e emoções. Ajuda a dar nome a elas e, dessa forma, caminhar mais forte e mais seguro com a própria história.  Tem uma passagem do Mia Couto, no livro O Outro Pé da Sereia, em que ele diz que dá azar o homem não ver a própria sombra. Identificar os sentimentos, bons e ruins, traz tranquilidade às crianças, que passam a reconhecer o próprio sentimento e sabem como conduzi-los agora. A contribuição emocional dos contos é enorme. Salutar.

Daí a importância de contar os contos ou histórias. A criança elabora na sua cabeça as imagens do que está sendo contado. Muitas vezes, é neste momento em que ela se reconhece em imagens e falas e passa a ser capaz de compreender o que se passa na vida real. E assim como nem tudo são flores, nem tudo é escuridão e provoca medo. Nem toda bruxa é horripilante. Quem não se lembra daquela boneca de pano que de um lado era a chapeuzinho Vermelho e do outro lado era o Lobo? Porque somos sempre dois, e assim também é na infância. Entender que ora podemos nos encantar com a imagem da princesa, que é a alma, ora com o dragão, que é o mal, é entender o que acontece dentro da gente pelo sentir.

As narrativas organizam o mundo das crianças e adolescentes. Trazem memórias, expandem a compreensão de mundo, compreensão dos sentimentos e da figura pai e mãe. Que, simbolicamente, está atrelada à mãe Maria e ao pai José. Não é assim que buscamos uma história pra contar? Vamos atrás de um tema que queremos abordar e não sabemos bem como. As histórias nos auxiliam e humanizam a vida.  Porque os contos aliviam as pressões exercidas pelos problemas e favorecem a recuperação, dando coragem. Mostrando que é sempre possível encontrar saídas.  Basta ter coragem. Sempre. E o final feliz encoraja a criança a lutar por seus valores e a construir uma crença positiva na vida. Saber que você é capaz de mudar um percurso é libertador.

Muitos finais terminam com o beijo do príncipe e da princesa. Para os gregos, o beijo simboliza “compartilhar o sopro” - sopro da alma. Um momento da história em que as almas se encontram e passa a se pertencer uma a outra. E quando o príncipe se torna rei ele recebe a coroa e passa a governar pela coragem. Porque ele traz o coração dentro dele. Cor – coroa – coragem – agir com a cor – agir com o coração. Porque histórias são curativas. Seres humanos são protagonistas de muitas delas. É preciso dar apoio para que muitos cheguem ao final de suas histórias e sejam capazes de serem coroados. Por eles mesmos, pela sociedade e pela vida.

Quer saber mais como o Fazendo Minha História usa o livro e a literatura, leia o Guia de Mediação de leitura que você encontra em http://www.fazendohistoria.org.br/publicacoes/