No dia 24 de maio de 2018 foi realizada a oficina "Projeto Político Pedagógico: Boas Práticas nos Serviços de Acolhimento” com as participações da especialista Cristina Rocha Dias, psicóloga com mestrado em psicologia clínica pela USP e supervisora no Instituto Fazendo História e da especialista Valéria Pássaro, coordenadora pedagógica das Casas Taiguara.  

Cristina iniciou o encontro mencionando a importância do PPP não ser visto como um documento estritamente burocrático, mas como uma oportunidade da equipe poder refletir sobre o trabalho que realiza e trocar experiências sobre as práticas cotidianas. 

De acordo com as Orientações Técnicas, o PPP tem como objetivo garantir o atendimento adequado às crianças e adolescentes acolhidos. O documento deve orientar a proposta de funcionamento do serviço como um todo (funcionamento interno, rede local, famílias e comunidade), devendo ser elaborado coletivamente pela equipe, acolhidos e familiares. Além disso, o PPP deve ser implantado, avaliado e aprimorado na prática cotidiana. Cristina pontuou que apesar de todos os pontos descritos serem conhecidos dos profissionais que atuam na área, a prática ainda é muito diferente, especialmente ao se considerar como a equipe lida com o tempo que dispõe para cuidar do PPP. Para a psicóloga, o tempo que um serviço disponibiliza para o PPP está diretamente relacionado ao tempo que tem para olhar o próprio trabalho. Ao se parar para escrever ou revisar um PPP, é importante que os profissionais possam refletir sobre o que significa garantir atendimento adequado em um serviço de acolhimento e qual a proposta que têm para atuar na proteção especial. Uma pergunta como: “o que significa proteger dentro do serviço de acolhimento?” pode gerar respostas muito diferentes em cada membro da equipe e, é fundamental que haja um espaço de construção e diálogo para que os profissionais possam construir um sentido comum para o trabalho. 

Cristina pontuou ainda que o PPP pode ser pensado como uma ferramenta de formação profissional das equipes, já que se configura como um documento que organiza a história, princípios, objetivos e procedimentos adotados pelos profissionais no cotidiano. Além disso, o fato de ter que ser elaborado, debatido e avaliado constantemente pela comunidade profissional implica sua implementação, adesão e apropriação no cotidiano, diferente de um documento burocrático. Neste sentido, é fundamental que o PPP revele “a cara” de um determinado serviço e os saberes e conhecimentos de todos os envolvidos. Ele é um documento que precisa ser construído coletivamente, já que é impossível pensar um serviço de acolhimento a partir de ações individuais dos técnicos, educadores e profissionais de apoio.

O desafio e riqueza do PPP está em colocar as diferenças em uma construção coletiva que dê uma cara para este trabalho que possa ser a cara de todos que estão envolvidos em um determinado serviço. 

No decorrer de sua apresentação, Cristina refletiu com o grupo como o PPP está relacionado à função do acolhimento. A concepção de um Projeto Político Pedagógico vem da área da educação a partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1996. No acolhimento, a proposta de construção do PPP reflete uma nova concepção de assistência social, que se desloca do paradigma da caridade, benevolência e assistencialismo, para o âmbito da garantia de direitos, incluindo educação e proteção.

Para a psicóloga, surge daí uma mudança no entendimento da função do acolhimento, que passa a considerar a esfera educativa da assistência social. Mas, o que isso significa? Na prática ainda hoje o trabalho nos serviços de acolhimento acaba assumindo um caráter assistencialista e o PPP contribui para que as equipes reflitam e se apropriem sobre o que é uma medida de proteção, o que se deve esperar de um abrigo (e não dos acolhidos) e quais ações desenvolvidas visam garantir o direito à saúde, cultura, moradia, convivência familiar e comunitária e educação. A psicóloga ainda mencionou a importância da escuta e do interesse pelo que o outro tem a dizer no cotidiano do acolhimento, já que o trabalho na área da educação diz respeito a uma aposta constante de que a relação com outro possibilita transformações. 

Cristina ainda explicitou, discutiu e problematizou com o grupo os significados das palavras que compõem o PPP. 
•    Projeto: quais ações definimos para serem executadas, e como estão organizadas? Elas consideram e, ao mesmo tempo, revelam o posicionamento e as concepções políticas que sustentam o trabalho da instituição.
•    Político: como a instituição se posiciona diante da sua tarefa de garantir direitos e proteção integral? Qual o seu compromisso social com a inclusão, protagonismo, participação e cidadania dos acolhidos e suas famílias? O que entendemos por proteção e alta complexidade, definem determinadas posições políticas no trabalho.
•    Pedagógico: a rotina cotidiana revela o quanto a proposta institucional favorece e trabalha (ou não) para a autonomia. O que as crianças e adolescentes aprendem e constroem enquanto estão acolhidos?

A especialista falou ainda que o PPP pode permitir que se operem as seguintes transições: 1) da tradição assistencialista e do voluntariado para a profissionalização e especialização do serviço de acolhimento e 2) da necessidade e boa vontade para responsabilização de todos (responsabilidade compartilhada com toda equipe). A importância das informações contidas no PPP possibilita a continuidade do trabalho com as crianças e adolescentes atendidos no serviço e permite que haja proposta de práticas cotidianas que considere a singularidade e necessidade das crianças e adolescentes.

Ao final, a especialista compartilhou algumas estratégias para a discussão e elaboração do PPP que estão disponibilizadas nos vídeos da oficina.

A segunda especialista do encontro, Valéria Passaro, iniciou sua fala mencionando que o PPP permite que se produza uma reflexão sobre a própria história. As perguntas norteadoras são: “De onde eu vim? Aonde eu estou? Para onde eu vou?”. Para Valéria, o PPP tem a ver com reflexão e está diretamente relacionado ao Plano Individual de Atendimento (PIA). Quando há um PPP estruturado, ou seja, uma diretriz e uma metodologia de trabalho, é mais fácil elaborar o PIA visto que as ações estão norteadas para as ações individuais das crianças e adolescentes.  

Outro ponto que Valéria destacou é que os profissionais/adultos dos serviços de acolhimento estão acostumados a obedecer a uma demanda externa (CREAS, MP, juiz, vigilância sanitária, etc.) e têm a expectativa que os acolhidos também se enquadrem na lógica da obediência. Para ela, atuar no acolhimento é pensar desafios, riscos e “sair do quadrado”. O PPP é uma possibilidade de refletir e arriscar o fazer cotidiano. 

Valéria continuou sua apresentação contando da experiência que ela e outros profissionais viveram na construção do PPP da Casa das Expedições. Ao assumir o serviço, a equipe se deparou com crianças e adolescentes que viviam enrolados em cobertas, faziam suas necessidades no chão, pulavam o muro para usar drogas e retornavam para o serviço, muitos estavam medicalizados, os educadores estavam assustados e a equipe não tinha qualquer relação direta com os acolhidos. Ao contar o processo de construção do PPP, Valéria falou sobre a importância de observarmos sobre o que nos incomoda ou desacomoda no acolhimento. Muitas vezes o cotidiano pode ser chato, mas é cômodo. O incomodo é positivo e fundamental no trabalho. A especialista ainda destacou a importância da escuta no cotidiano em todos os momentos – para ela os meninos e meninas estão nos dizendo como eles são e o que querem o tempo inteiro. Como estamos escutando e acolhendo é que faz a diferença no serviço. 

A metodologia de construção do PPP da Casa das Expedições foi desenvolvida ao longo de muitos anos. Os referenciais teóricos que contribuíram para o exercício foram: Summer Hill, Comunidade Enfance, Escola da Ponte, Paulo Freire, Pichon, Donald Winnicott, Foucault e Edgar Morin. O primeiro documento ficou pronto em 2008 e demorou um ano para ser elaborado a partir de encontros semanais de duas horas com toda a equipe. A pedagoga esclareceu que todo o processo de construção de um PPP depende de três etapas: 1) parar, olhar e discutir o que se faz;  2) escrever o que se faz e planejar e 3) ouvir todos os envolvidos.

No PPP da Casa das Expedições a proposta era contemplar todas as ações executadas no serviço, desde a chegada de um novo morador, as rotinas, os grupos de fala, atendimento à família, estudo de caso, saída do menino/a, formação dos profissionais, entre outros. Desde a primeira elaboração do documento, o plano é revisado anualmente e reinventado, com participação mais coletiva. Para Valéria, um dos efeitos no cotidiano é que todos os profissionais do serviço já têm o PPP incorporado e não há questões, por exemplo, se devem ou não chamar a polícia em determinadas situações. Os profissionais sabem que não se chama a polícia e sim uma Assembleia. O PPP tem mais de 50 páginas e descreve todas as ações e como devem fazer todas as atividades, por exemplo, como o almoço deve ser servido. As estratégias metodológicas são as seguintes: 

•    Assembleias semanais com dia e horário fixo: Espaço Ritual;
•    Grupos de fala e escuta: são divididos por gênero (feminino e masculino);
•    Projeto Expedições: ambientais, culturais, Expedicionários da Loucura e Projeto Baobá – o PPP contém além da descrição da rotina, os quatro projetos citados. Inicialmente eles foram pensados considerando às saídas com os meninos/as e o direito à cidade e a cidade como um direito, tendo sido criado inicialmente o projeto expedição cultural. Este projeto trouxe uma discussão sobre a importância do uso da arte e da cultura como mediadora em educação e formação. O projeto expedições ambientais surgiu a partir da escuta dos adolescentes, que em determinado momento começaram a indagar sobre o Rio Tietê e posteriormente, a partir de questões, como: “de onde vem os rios?”. O Expedicionário da Loucura discute a medicalização e desmedicalização nos serviços de acolhimento e o Baobá é um projeto com as famílias. 
•    Supervisão Externa – formação continuada para toda equipe.

 Após o aprofundamento sobre as estratégias metodológicas da Casa das Expedições, Valéria finalizou o encontro destacando que o PPP é para os meninos/meninas, mas também para os profissionais. Para ela, o grande desafio é buscar a desinstitucionalização dos acolhidos em um espaço institucionalizado, de maneira que não se ampute os desejos e possibilidades de vida das crianças/adolescentes. 

Abaixo estão os vídeos da oficina na íntegra, CONFIRA: