Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que existem, aproximadamente, 47 mil crianças e adolescentes em situação de acolhimento no Brasil. Quando se esgotam as possibilidades de retorno às famílias de origem (pais) ou extensa (avós, tios, irmãos mais velhos, por exemplo), essas crianças e adolescentes tornam-se candidatos à adoção. Atualmente, cerca de 5 mil estão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), aguardando por uma família substituta. Destes, mais da metade têm entre 10 e 17 anos de idade e possuem irmãos, dos quais de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não devem ser separados nos processos adotivos. Por outro lado, há mais de 42 mil pretendentes à adoção aguardando por um perfil diferente de crianças: 58% aceitam apenas crianças de até 4 anos de idade e 62% não aceitam adotar irmãos. Nesse cenário, a adoção torna-se uma possibilidade bastante remota para muitos.

A adoção compartilhada surge como uma tentativa das Varas da Infância e da Juventude (VIJ) para enfrentar tal situação. Nessa estratégia, oferece-se a possibilidade de diferentes famílias adotarem separadamente irmãos, inclusive os mais velhos, com o compromisso de manter o vínculo e a convivência entre eles. Dessa forma, espera-se que as famílias sejam reconhecidas em suas limitações para o número de filhos e, ao mesmo tempo, garantam o direito à convivência entre irmãos.

Todo processo adotivo é desafiador, para pais e filhos. Quando diferentes famílias assumem juntas essa tarefa, surgem ainda mais questões. Nesse sentido, foram  realizados, em agosto e novembro de 2019, dois encontros sobre as especificidades da adoção compartilhada com terapeutas e supervisores do Com Tato. Em ambos discutimos, a partir de casos clínicos, os limites, as potências e os cuidados necessários para que essa forma de saída do acolhimento possa ser um bom caminho de construção de novos laços familiares.

A experiência tem mostrado a importância de uma preparação específica dos candidatos para a adoção nesse outro modelo. Antes do convívio com as crianças, é muito importante que os pretendentes possam se conhecer e participar de espaços de conversa mediados para entender melhor as implicações da adoção compartilhada. As crianças também precisam de espaços de conversa para reconhecer suas expectativas e os limites dessa proposta de nova família.

Mesmo com todo esse preparo, muitas vezes, fica difícil a dupla tarefa de constituir-se e reconhecer-se como uma família, quando a “adoção compartilhada” parece sugerir que “nossos filhos são compartilhados”, que “adotamos conjuntamente todos eles” e que formamos uma só família. É importante legitimar a necessidade de marcar as fronteiras de cada família recém constituída. E que cada uma possa inventar a forma de fazer isso com seus filhos. Cabe pensar que a potência da “adoção compartilhada” não está vinculada à constituição de uma “grande família”. A importância desse modelo parece estar na preservação de uma referência dos irmãos, em saber que existe como possibilidade a continuidade desse laço na vida.

Ana Raquel Ribeiro

Psicanalista, Coordenadora do Com Tato