As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar. Os livros são parentes diretos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver o que existe para depois do que não se vê. O leitor entra com o livro para o depois do que não se vê. O leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas. (Valter Hugo Mãe. Contos de cães e maus lobos, 2015, p. 149)


O Programa Fazendo Minha História tem como objetivo proporcionar meios de expressão para que crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional possam entrar em contato, conhecer e registrar sua história de vida. Para isso,  uma das estratégias do programa, é a implementação de uma biblioteca com diversidade e qualidade em cada um dos serviços de acolhimentos parceiros.

Sabemos que a literatura tem um papel transformador para o desenvolvimento da imaginação, dos sentimentos, emoções e auxilia na construção de narrativas sobre si, sobre o  outro e sobre o mundo em que vivemos.   

Como forma de incentivo a literatura,  é uma prática comum o programa estimular que os serviços desenvolvam, de tempos em tempos, eventos literários para dar vida ao acervo literário implementado em cada casa . Por esse motivo, no 1º semestre deste ano, alguns serviços parceiros do programa Fazendo Minha História em São Paulo realizaram atividades literárias em seus territórios. As ações foram construídas com educadores/es e técnicas/os dos serviços de acolhimento e, em alguns casos, articulados com outros serviços da rede socioassistencial. 

Os encontros foram para proporcionar experiências diferentes com os livros porque acreditamos que não precisam estar necessariamente em bibliotecas para que se viva experiências literárias. Afinal, todas as pessoas envolvidas no evento, desde crianças, adolescentes e profissionais da rede são bibliotecas vivas que fazem travessias importantes, para além dos livros, fazem história no território, articulam círculos com brincadeiras, fantasias e contam histórias orais. Isso nos remete às lembranças das tradições vivas dos povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que além da tradição oral nos deixaram a diversidade do que é viver a literatura, sobretudo, na potência do encontro, da união, assim como fizeram os serviços de acolhimento parceiros.  

 Em relação aos livros, o Programa Fazendo Minha História considera de fundamental importância a circulação do acervo pelo território, permitindo que atravesse as histórias e a vida das crianças, dos adolescentes e  da comunidade que ali vivem. Quando os livros circulam pelo território de forma simples e lúdica, aproximam a literatura da população, auxiliam na formação leitora, na mobilização e formação de mediadores de leitura,  além de viabilizarem a garantia dos direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente proporcionando acesso à cultura, ao lazer e à convivência comunitária. 

Esta prática foi  pensada e proposta pelo programa e se aproxima muito do objetivo das bibliotecas comunitárias, presentes em várias regiões e lugares do país (principalmente nas periferias), em que a experiência com a literatura se constitui com o território e com a comunidade, e não somente em uma vivência individual. 

Visando ampliar esta prática, a seguir, compartilhamos algumas atividades que foram realizadas no 1º semestre deste ano, para suscitar ideias e inspirações para se trabalhar com os livros e a literatura em contexto lúdico e territorial.


SAICA São Mateus 5

A festa do livro do serviço ocorreu em um evento junto com Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij), promovendo um “Rolê Cultural’’ com várias atrações, brincadeiras, leituras e shows. Foi uma forma do SAICA  trazer a comunidade para entender o que é o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes e a contribuição do FMH (Fazendo Minha História) dentro do serviço para o público acolhido. 


Neste espaço foi explicado o que é FMH (Fazendo Minha História), suas contribuições e convidamos a comunidade para participar das atividades com os livros. 

Foram realizadas rodas de conversa sobre o brincar, sobre a importância da leitura, o resgate da história de vida e como o FMH contribui para os/as usuários/as da rede: Centro de Atenção Psicossocial infantojuvenil CAPS IJ, Serviços de Proteção Social às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência (SPVV), Enorme Abraço e Centro Especializado em Recuperação (CER). Foi um momento muito importante para as crianças, adolescentes, colaboradoras e técnicos da rede intersetorial de proteção à infância e adolescência. 

São Mateus 1

Neste serviço, a dupla gestora do FMH (técnicas/os do SAICA que acompanham a metodologia do programa) escolheu construir o evento literário por meio de uma festa no próprio SAICA. Os/as convidados/as especiais da festa eram as crianças e adolescentes acolhidos/as, seus familiares e parceiros do FMH. O evento foi organizado pela equipe técnica e educadoras(es) que propuseram um desfile-fantasia com os personagens dos livros que as crianças e adolescentes mais se identificam. Todos se preparam bastante para escolherem e produzirem as suas fantasias e a decoração da festa. Após o desfile ocorreu também uma roda de mediação de leitura. Foi uma tarde muito gostosa, de brincadeiras, imaginação e literatura!

SAICA Casa Edith Stein

Os/as técnicos/as deste serviço optaram por realizar o seu evento literário através de um piquenique com rodas de mediação de leitura.  O piquenique contou com a participação de educadores/as, das crianças e adolescentes acolhidos/as que também puderam chamar alguns amigos/as da escola. Foi um momento  de descontração, diversão e surpresas, pois estar em um ambiente externo com outras pessoas, estimulou a leitura de alguns adolescentes que queriam compartilhar as leituras que mais gostavam. Também foi uma estratégia do serviço modificar a decoração da casa (incluindo uma árvore cheia de livros e um varal de livros na entrada da casa) para mobilizar as crianças e adolescentes para a atividade literária. 

Luiza M. Escardovelli Alcântara, psicóloga e técnica do Programa Fazendo Minha História
Laís Boto, coordenadora do Programa Fazendo Minha História 



Referências Bibliográficas


Como criar uma biblioteca comunitária no território? Educação e território, novembro de 2018. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/metodologias/como-criar-uma-biblioteca-comunitaria-no-territorio/