O Instituto Fazendo História realizou no dia 29 de abril de 2017 a oficina “O Serviço de Acolhimento e as Escolas: Desafios e Possibilidade”. O encontro contou com as participações da psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar da USP, Yara Sayão, da assistente social Miriam Tronnolone e da educadora Sueli Regina Massaro.

         Na abertura do evento, a equipe do SAICA Nosso Lar que fica na Vila Guilhermina, na cidade de São Paulo, expôs uma série de cartazes com as opiniões e percepções das crianças e adolescentes acolhidos sobre a escola. Esta mesma atividade foi realizada em um trabalho que iniciaram em 2015 com a participação das escolas da região e do Juiz para discutir as interfaces e o relacionamento entre as escolas e os abrigos já que diretores, professores e coordenadores desconheciam o trabalho dos serviços de acolhimento e havia muitas confusões sobre o papel de cada um.

         Em seguida, a psicóloga Yara Sayão iniciou a palestra elencando os elementos que são comuns nas funções da escola e dos abrigos, como por exemplo: o aprendizado das crianças e dos adolescentes e o acompanhamento deste aprendizado por parte dos profissionais envolvidos nas duas instituições. Após esta consideração, a psicóloga passou a debater as diferenças existentes entre a família, o SAICA e a escola.  Segundo Yara, não é possível imaginar uma relação de aprendizagem na família que não esteja atravessada por afetos. Já na escola, a criança passa a ter experiências com pessoas diferentes que também trazem aprendizados diferentes. O aprendizado da noção de justiça e de autoridade constituída acontece no espaço escolar, sendo fundamental o próprio processo de convivência com outras crianças e pessoas que configuram novos vínculos e combinados. Para a psicóloga, o ideal é que a relação entre o SAICA e a escola possa ser de complementariedade.

         Yara mencionou o fato de o SAICA carregar consigo uma dualidade: é ao mesmo tempo um espaço público e privado. Destacou a importância do papel de interlocução do educador em um SAICA, especialmente no que diz respeito às histórias de violência sofridas pelos acolhidos. Para ela, a violência física, sexual ou mesmo devido à separação com a família, deixa marcas que podem ou não ser elaboradas, sendo que o educador de um abrigo tem um papel fundamental para que o acolhido não se resuma a esta história violenta. Neste sentido, o educador pode desenvolver atividades terapêuticas, sem que sejam psicoterapêuticas. Yara mencionou ainda que apesar de na política pública o acolhimento institucional estar alocado na Assistência Social, o serviço tem função educativa.

         Quanto à relação com a escola, um dos desafios é a marca que o acolhido carrega por “ser uma criança do abrigo” já que este estigma impede que ele possa ser um aluno como tantos outros. Este fato acontece porque a escola é uma instituição que compartilha os valores do imaginário social baseada em uma ideologia de “compaixão” e “repressão”. O problema é que esta visão acaba colocando muitas vezes o sujeito em um lugar de impotência já que ele/ela acaba se resumindo a um lugar de “coitado”, sendo importante empoderar as crianças do SAICA para se afirmarem de outras maneiras no espaço escolar. Uma das estratégias que pode ser adotada e que deve ser considerada pelos serviços é colocar as crianças e adolescentes em escolas diferentes para que não fiquem com a marca de serem do SAICA. O abrigo também pode abrir espaços para que as crianças possam falar sobre a escola, não apenas sobre o rendimento escolar, mas também sobre possíveis preconceitos. Yara menciona o fato de que aprender é ficar mais forte para enfrentar a vida. e o educador tem um papel importante nesse processo, inclusive para auxiliar a criança a elaborar maneiras diferentes de relacionamento e reação diante de problemas, tais como: “o que poderia ter falado? Como agir em uma próxima vez?”. Além disso, é interessante incentivar a ida de outras crianças da escola ao abrigo para que possam fazer trabalhos juntos ou passarem à tarde como é comum acontecer entre crianças que não estão acolhidas.

         A assistente social Miriam e a educadora Sueli falaram em seguida sobre a experiência do Fórum Regional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FOCA Pinheiros) e da Rede Regional Intersetorial de Proteção às Crianças e Adolescentes. O Fórum Pinheiros é uma reunião mensal de crianças e adolescentes que têm entre 6 e 15 anos e que frequentam diversos serviços públicos da região para discutir temas de interesse das próprias crianças e adolescentes. Fórum da Criança e do Adolescente (FOCA) de Pinheiros é um espaço democrático de debate e elaboração de propostas de políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes na região da subprefeitura de Pinheiros, procurando garantir seus direitos básicos, preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As primeiras iniciativas ocorreram em 2003 quando moradores, trabalhadores, organizações não governamentais e poder público passaram a se preocupar com a grande quantidade de crianças e adolescentes em situação de rua circulando pelos bairros que compõem o subdistrito de Pinheiros (Itaim Bibi, Jardim Paulista, Pinheiros, e Alto de Pinheiros). Na época, reuniões mensais foram instauradas e passou a haver uma discussão em cima do que poderia ser a solução deste problema.

         O tema foi levado para as Conferências Regionais, Municipais, Estaduais, e Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente, que são espaços onde se elaboram e se aprovam propostas com o objetivo de influenciar políticas públicas. Atualmente o FOCA tem os seguintes objetivos: 1) favorecer o protagonismo infanto-juvenil e estimular a participação em grêmios ou outras formas de representação, 2) divulgar os direitos das crianças e adolescentes, 3) promover formações sobre temas de interesse das crianças e adolescentes, 4) desenvolver debates/reflexões intersetoriais que favoreçam: análise da realidade; capacidade de identificar e enfrentar situações de preconceito, violência e violação de direitos. Geralmente participam em média entre 60 e 80 crianças e adolescentes, sendo oito encontros mensais acompanhados por um profissional de cada local. Os encontros são lúdicos e utilizam várias linguagens e metodologias como jogos, vivências, vídeos, discussão em grupos, para favorecer a participação das crianças e adolescentes.

         Miriam ilustrou diversas atividades já realizadas pelo Fórum, tais como uma reunião no Instituto Tomie Ohtake para discutir diferenças de classe social e preconceito por meio do Maracatu, a visita a horta na praça das corujas na Vila Madalena que teve como objetivo mostrar a ocupação do espaço urbano, a reunião com o Dom Bosco e o CAMP Pinheiros intitulada “Diga não ao trabalho infantil”, entre outros.

         Já a iniciativa da Rede Regional Intersetorial de Proteção às Crianças começou em 2009 em que houve uma apresentação dos diversos serviços, o trabalho desenvolvido e as principais dificuldades. Com o tempo, outros atores passaram a integrar a rede, como o Conselho Tutelar, as escolas da região, Defensoria Pública, entre outros. Com o tempo, os integrantes da Rede passaram a fazer discussões de caso, o que fortaleceu uma concepção comum sobre o trabalho a ser desenvolvido pelos diferentes setores, sempre tendo como objetivo maior fortalecer as crianças e adolescentes para que deem conta do que vivem. O fortalecimento também acontece com as famílias, e serviços.

         No segundo momento da oficina houve a discussão de perguntas norteadoras para subgrupos e ao final todos os grupos expuseram os pontos debatidos e formularam perguntas para as palestrantes.

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