Como se interage com um bebê? Essa pergunta evoca uma série de ideias. Olhamos nos seus olhos e sorrimos para ele, pois sabemos que é sendo visto e querido que mais tarde ele aprenderá a se ver e querer bem. Falamos num tom melodioso e suave, o famoso mamanhês, pois sabemos da importância da voz, que tanto captura a atenção do bebê. Falamos muito com eles, aliás, pois sabemos que é assim que eles entram na linguagem.

Seguramos eles longamente no colo, pois sabemos da importância do aconchego para que se sintam seguros. Dizem que um colo é um mundo inteiro, não é? Oferecemos brinquedinhos de acordo com a faixa etária, damos só leite durante um tempo, depois introduzimos alimentos... enfim, cuidamos, da melhor maneira possível, desse bebê.

Sim, mas de qual bebê estamos falando? Afinal, na contraparte de todos os verbos acima tem alguém que é objeto dessas ações. E é sempre bom lembrar que esse serzinho gracioso está desde que nasce ativamente propondo ao mundo formas próprias de interação. Tal fato não é de se ignorar, pois será sobre essa via de mão dupla, numa relação entre um sujeito adulto e um sujeito que começa a existir, que se formará a coisa mais importante de todas para uma pessoa em desenvolvimento: o vínculo.

Às vezes pode ser que alguém esteja super disposto a mostrar um lindo brinquedo para um bebê e este... bem, este só quer saber de brincar com o próprio pé. Em outro momento, sabendo da importância do olhar para o bebê, alguém busque avidamente o contato visual só para se deparar com um bebê que vira a cara de maneira tão contundente que é como se estivesse dizendo com todas as letras: agora não tô afim. Na melhor das intenções, o adulto propõe uma interação para encontrar um bebê que não está interessado, ou que abertamente recusa o que lhe é proposto. Quem nunca viu um bebê detestar trocar de colo, mesmo que o colo ofertado seja de alguém muito próximo, que lance a oposição.

Pode acontecer também que o bebê seja autor de uma proposta e o adulto falhe em perceber. Assim é que uma meia dúzia de sorrisos e pequenos chamados sonoros passam despercebidos enquanto o adulto está mergulhado nos últimos acontecimentos de sua rede social. Ou que o adulto não se dê conta que o brinquedo trazido é o de menos - o legal mesmo é ficar pertinho do adulto e dar risada junto.

Outra coisa comum de escapar à percepção do adulto é quando o tempo do bebê diverge do esperado. Digamos que um bebê goste muito de um objeto que lhe foi apresentado – um mordedor, por exemplo – e mal começou a explorar esse mundo novo quando o adulto conclui que tem um outro brinquedo muito melhor (para quem, mesmo?), ou que já foi tempo o suficiente com o brinquedo.

Permitir que o bebê não faça algo quando você quer, ou, inversamente, ser capaz de mudar o rumo de uma interação em função do que o bebê propõe é extremamente importante do ponto de vista da construção do vínculo afetivo. Como num diálogo, seguir as contribuições do bebê nos rumos da interação vai permitir que ele se sinta visto, ouvido e querido. E como num diálogo, isso é uma construção a dois, que requer escuta de ambos.

Isso vale para todas as crianças, em todos os contextos. Porém, crianças que estão com suas próprias famílias têm tempo para entender as idiossincrasias de seus pais e criarem seus próprios recursos para se comunicar com eles, se adaptar a seu estilo de interação ou mesmo para resistir a este estilo. A situação de crianças em situação de cuidado provisório é outra: elas já foram expostas a um tipo de vínculo, seguido por rupturas, seguido de uma nova oferta de vínculo, com outro(s) cuidador(es). Vocês podem imaginar a ginástica afetiva que é ter que recomeçar essa atividade relacional, tudo de novo!

Costumamos pensar no tempo necessário para que uma criança acolhida se adapte a um novo lar temporário. Mas existe, igualmente, uma necessidade de que este lar se adapte a essa criança, a sua forma de se comunicar, suas singularidades, suas formas de investir em novas relações e suas perguntas em relação ao mundo. E para fazer isso, é preciso seguir a iniciativa e o ritmo dessa criança ou bebê, para tornar esse diálogo afetivo verdadeiramente um diálogo. Abaixo estão algumas dicas de como fazer isso

 

Atenção ao tempo

Às vezes um bebê tem um tempo muito mais longo de atenção do que o previsto. É interessante poder ficar junto com ele durante esse tempo. Pode ser que a criança se entedie rapidamente e busque outro foco de atenção. Acompanhe-a nesse movimento também.

 

O interesse muda, e tudo bem

Pode ser que você tenha tido uma ideia super legal de atividade para fazer. Talvez uma atividade com começo, meio e fim, como um quebra-cabeça. Mas aí a criança traz um elemento que não tem nada a ver, tipo um bichinho de pelúcia, e de repente o quebra-cabeça virou o palco de uma guerra de bichinhos. Tudo bem.

 

Espelho, espelho meu

Nada encanta mais uma criança do que compartilhar expressões com seus cuidadores. Imite uma expressão engraçada ou um gesto - de forma carinhosa, claro! -  e é bem capaz que você produza risadas de alegria.

 

Não tem certo ou errado

Tem hora pra tudo. Para ensinar palavras novas, para mostrar o que pode e o que não pode, para seguir as regras de um jogo de cabo a rabo. Tem hora inclusive para não fazer nada disso e deixar a imaginação correr solta, sem correções, sem questionamentos. Apenas indo junto.

 

Cabem todas as emoções – até as difíceis

Na interação com bebês e crianças pequenas, nos deparamos com diversos estados de espírito. Antes de mais nada, poder reconhecer com a criança isso, dando nome e aceitando a presença daquela emoção ou sensação como a de um convidado ilustre é de enorme valor. Ao contrário do que muitos pensam, para a criança, saber que tudo bem ficar brava vai permitir que ela lide com essa emoção de maneira saudável.

 

Nos cuidados de todo dia, é certo que muitas coisas vão passar batido pela percepção dos adultos cuidadores, e faz parte. Mas ao simplesmente lembrar que a relação com o bebê é um diálogo, construído vírgula por vírgula, de sorriso em sorriso, estaremos no caminho para uma relação com muita qualidade. E, dessa forma, ajudaremos a sustentar a formação de um sujeito que se reconhece enquanto alguém que tem espaço para se expressar no mundo.

 

 

Por: Melina Bertholdo