No mês de maio, ganhou grande visibilidade a peça publicitária “Álbum nunca fotografado”, criada pela Dermodex. O vídeo postado pelo Facebook mostra de uma forma sensível e emocionante famílias que se construíram através da adoção sendo presenteadas com um álbum de desenhos que retratam cenas que nunca foram vividas, mas que certamente foram muito desejadas e sonhadas.

Bonito e delicado, o vídeo contribui para a mudança de paradigma sobre a adoção de crianças mais velhas e sobre a possibilidade da construção de famílias, com filhos de qualquer idade, a partir do amor e do cuidado.

Esse vídeo, cheio de emoção, histórias, afeto, pais e filhos da vida real, nos tocou e gerou muitas reflexões entre a equipe do Instituto. Afinal nós também temos uma metodologia que propõe a construção de álbuns das histórias de vida de crianças e adolescentes acolhidos, entre eles aqueles que um dia serão adotados.

Numa olhada rápida, a proposta da peça publicitária e a metodologia do Instituto podem ser entendidas como semelhantes ou até confundidas. De fato, ambas se propõem a fazer um álbum muito personalizado, que considera as particularidades de uma determinada criança ou família. Ambos utilizam desenhos. Ambos valorizam, reconhecem e concretizam sentimentos, sonhos e desejos dos seus protagonistas.

Nos álbuns presenteados às famílias que participaram do vídeo, as páginas retratavam o sonho que não pôde ser vivido concretamente. As lindas e cuidadosas ilustrações mostravam desejo e fantasia, tão importantes na trajetória que leva ao encontro entre pais e filhos adotivos.

Sonhos, fantasias, imaginação e desejos são importantes motores para o ser humano. Afinal, quais projetos de vida poderiam ser construídos sem desejar, sem sonhar?

Mas há outros ingredientes na nossa identidade. A vida vivida, as experiências e relações que fizeram parte da nossa história também contribuem para a construção de nossa identidade. Somos quem somos como consequência das nossas experiências – boas e ruins, alegres e tristes, prazerosas e sofridas – e de como lidamos com elas. 

Hoje em dia, todos têm clareza que filhos adotivos não nascem quando são adotados. Sabe-se que as histórias anteriores à adoção precisam ser reconhecidas e valorizadas para que uma criança seja genuinamente adotada e aceita. Trabalhando diariamente com crianças e adolescentes acolhidos, temos clareza que a vida antes da adoção não é fria e sombria. Durante o período do acolhimento, os meninos e meninas à espera de uma família adotiva são cuidados por adultos, convivem com outras crianças, estão ativas, vivendo alegrias e tristezas, experimentando frustrações, se desenvolvendo e conquistando autonomia. Dia após dia são construídas relações de afeto com inúmeras pessoas, em um período significativo, permeado por carinho e vínculos que farão parte da memória de cada um. O álbum que o Instituto ajuda a construir procura justamente identificar, reconhecer e registrar essas experiências reais, atribuindo um valor positivo a elas e impedindo que sejam esquecidas em um canto qualquer da memória ou que ganhem um caráter negativo que mais atrapalha do que ajuda a criança ou adolescente a se conhecer e ficar em paz com a própria história.

Nesses álbuns sonhos e desejos também são registrados em páginas especiais. É prazeroso e reconfortante para as crianças falarem sobre seus planos de futuro, o que gostariam de ter vivido e não puderam, o que gostariam de estar vivendo agora e não podem. Escutar a criança é um princípio do Instituto, assim como trabalhar sempre a partir da verdade. Acreditamos que a vida contada de forma honesta e verdadeira permite a construção de uma identidade inteira, sem pedaços escondidos ou perdidos.

Histórias reais e imaginadas são igualmente importantes. No cruzamento de histórias que uma adoção promove, a experiência real do passado e o desejo legítimo de ter vivido com os filhos momentos anteriores à adoção têm igual valor. Nesse sentido, em relação à peça publicitária, refletimos que a maneira de apresentar o “álbum dos sonhos” para uma criança ou adolescente deve ser cuidadosamente pensada para evitar que confundam fantasia e realidade. É bonito ajudar famílias a fazerem um álbum dos sonhos que não puderam se tornar realidade, mas ele não pode ser apresentado ou entendido, mesmo que de forma não intencional, como algo real, que de fato aconteceu. O sonho, sempre legítimo, não pode caminhar sozinho, nem encobrir a vida vivida. É preciso cuidar para que toda criança adotiva possa conhecer e compreender o percurso único de sua trajetória de vida, em toda a sua complexidade.

Os adultos que convivem com a criança ou adolescente adotivo têm um papel central no seu desenvolvimento. O que se fala, o que não se fala, como e quando se fala sobre sua vida e suas experiências concretas são determinantes para a compreensão da adoção ou para que ela seja geradora de conflitos, incertezas e inseguranças. O adulto deve ajudar a criança ou adolescente a se relacionar de forma sadia com sua história, sem esconder, mentir ou inventar fatos que não ocorreram.

Falar com sobre seu passado não significa falar somente sobre dor e tristeza. Quando têm oportunidade de saber detalhes sobre o período do acolhimento, pais adotivos podem se surpreender com a quantidade de experiências gostosas que seus filhos tiveram antes e durante o acolhimento. O desconhecido assusta e cria espaço para construção de fantasias que muitas não correspondem à realidade. Os álbuns que o Instituto ajuda a construir retratam uma trajetória de vida cheia de cor e beleza. Infelizmente, nem todas as crianças e adolescentes adotivos chegam em suas famílias com essas lembranças registradas, mas nada impede que informações sobre a vida antes da adoção sejam buscadas para que um “álbum nunca fotografado” possa ser feito com base tanto na experiência vivida quanto nos sonhos daquilo que não pôde ser vivido em família.

Uma das publicações escritas pelo Instituto trata do tema da adoção, aprofundando algumas das reflexões que trouxemos aqui. Segue o link caso desejem conhecer:

https://static1.squarespace.com/static/56b10ce8746fb97c2d267b79/t/56f2fea101dbaef178cfffba/1458765511633/histo%CC%81rias+cruzadas_v2.pdf

Um abraço,

Equipe do Instituto Fazendo História