O Com Tato é o programa do Instituto Fazendo História dedicado a atender em psicoterapia crianças, adolescentes e famílias que passaram ou estão passando pelo acolhimento institucional. Desde o início da pandemia e ao longo de 2020, nossos psicoterapeutas vêm enfrentando inúmeros desafios para dar continuidade ao trabalho na modalidade virtual. O texto abaixo traz algumas das reflexões apresentadas no encontro do Com Tato, realizado em 13/11/2020, para pensar sobre cuidados e impasses envolvendo esses atendimentos. Compartilhamos aqui no blog essas reflexões porque elas não são exclusivas deste programa, mas podem dizer respeito, para além dos consultórios de psicologia, a interações realizadas pelos diferentes profissionais do acolhimento. Boa leitura!

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Desde março de 2020, com o início das medidas de isolamento social em função da pandemia do COVID-19, nos surpreendemos com o trabalho psicoterapêutico que podia acontecer virtualmente com crianças e adolescentes. Alguns puderam dar continuidade às questões que já traziam ao consultório, enquanto outros se sentiram até mais à vontade para endereçar suas questões com o anteparo da tela e a possibilidade de controlar a presença de seus analistas. Entretanto, para certas crianças as possibilidades de intervenção via fala e imagem na tela não são suficientes e, por vezes, especialmente angustiantes e desorganizadoras, dependendo do seu modo particular de funcionar e dos desafios de cada caso.

Há também alguns casos, sobretudo de crianças pequenas, para quem houve uma intervenção possível via remota nos meses iniciais da quarentena, mas cujo prolongamento, acabou derivando numa certa saturação dessa presença à distância, como se a criança não tivesse mais recursos simbólicos para registrar o terapeuta como presente depois de tanto tempo (na vida de uma criança pequena, 8 meses é um tempo enorme). Nesses casos, pensamos que algum reencontro presencial se faz necessário, possibilitando uma certa “presentificação” do terapeuta, até para seguir posteriormente com mais alguma intervenção na via remota. Para estes pacientes observamos que faz  falta a materialidade do corpo do analista e dos objetos compartilhados no consultório. Pensamos que é na presença, no corpo a corpo, que se pode oferecer contorno, sustentação, vínculo e pela tela reconhecemos uma certa limitação desses manejos.

Embora os conhecidos protocolos de segurança como uso de máscara, distanciamento mínimo e cuidados com as mãos submetam a todos, os consultórios dos psicólogos, ao menos dos psicanalistas, não são espaços onde predominam regras estritas, total assepsia, controle dos corpos e, por vezes, do contato que as crianças pequenas demandam, os quais as diretrizes científicas e o cuidado com o outro nos impõe nesse momento.

As invenções singulares, sobretudo das crianças, podem requerer a troca de brinquedos e objetos, como já apontado; muitas vezes, um espalhamento do corpo pelo espaço com secreções como a saliva. A presença de alimentos e chupetas que elas trazem consigo e o próprio corpo do analista são instrumentos de trabalho e também via de acesso ao paciente. Como receber o espontâneo do paciente levando em conta os limites e possibilidades dos reencontros? Pensamos que para além dos atendimentos, crianças e adolescentes também vêm acompanhados dos seus responsáveis, e muitas vezes nos transportes públicos abarrotados. Como recebê-los de forma cuidadosa?

Considerando todo esse jogo relacional que os consultórios de psicologia e psicanalistas estão dispostos a oferecer, nos encontramos diante de impasses com essas inúmeras orientações e modos “protocolados” de reencontros.

Frente ao imperativo ético de viabilizar encontros presenciais para casos específicos em que as possibilidades de cuidado virtual se esgotaram, é urgente pensar formas de superar o impasse entre os cuidados com a saúde mental e orgânica de nossos pacientes.  Seguimos sem respostas universais, como toda clínica psicanalítica, e definindo no manejo caso a caso, a sustentação do singular de cada um deles.

Carolina Sé, Fernanda Bonilha e Marina Lavrador - Psicólogas voluntárias do programa Com Tato do Instituto Fazendo História