No dia 22 de novembro de 2021 foi realizada a oficina “Agressividade e Limites”, que contou com a participação das especialistas Ada Morgenstern, psicanalista, professora e supervisora do curso Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae, professora do COGEAE-PUCSP, artista plástica, e Valéria Pássaro, pedagoga, com especialização e larga experiência na área de educação e acolhimento. Foi coordenadora da Casa das Expedições, serviço de acolhimento em São Paulo, e, atualmente, diretora executiva da Moradia Associação Civil. A mediação foi realizada por Daniela Martins, psicóloga e técnica no Programa de Formação do Instituto Fazendo História.

Na abertura da oficina, Ada Morgenstern trata da agressividade no crescimento e desenvolvimento de uma criança a partir do referencial teórico da psicanálise. Ela diz que a agressividade faz parte da condição humana e existe um amplo espectro de suas formas de manifestação, que vão de formas brandas até intensas, e de formas construtivas até destrutivas.

A profissional traz a perspectiva da psicanálise, que entende que a criança nasce com um potencial de agressividade e é no convívio com o ambiente que esses elementos vão surgir de maneira mais ou menos integrada, mais ou menos intensa. O ambiente inicial é a relação da pessoa que cuida do bebê, sendo que qualquer adulto que exerça o papel de cuidador proporciona esse ambiente, não necessariamente a mãe. A função desse adulto é, por exemplo, responder ao choro do bebê e encontrar uma forma de acalmar e dar sentido ao desconforto. No início da vida de um bebê nem sempre é certo o motivo do incômodo, porém a tentativa de entender, acolher e acalmar tem uma função importante. Um bebê pouco acolhido nas suas primeiras necessidades vive uma experiência de desconforto generalizado, como se o próprio mundo fosse muito hostil, uma vez que não existe a diferenciação entre o bebê e o mundo, causando uma sensação persecutória de muito desconforto.

Ada propõe que, em um primeiro momento, não podemos falar da agressividade de um bebê. O que se encontra são movimentos instintivos, que só aos poucos vão tomando sentido para o adulto cuidador e para o próprio bebê. O adulto cuidador transmite gradualmente as nomeações do que a criança sente e, ainda que ela não entenda o significado das palavras, entende a intenção do adulto. Assim, a criança cria um repertório na lida com seus afetos e sensações e, caso esse processo não aconteça, a criança entende que as sensações de desconforto são as únicas experiências que pode ter e a partir daí se retrai e vive a situação de forma internalizada, ou reage catarticamente, com reações excessivas em relação ao mundo.

Nessa perspectiva, a agressividade não é só uma descarga, mas principalmente uma forma de comunicação. Ajudar as crianças a desenvolver o repertório verbal para expressão da variedade de afetos e sentimentos vividos torna possível que verbalizem sentimentos e contornem a necessidade de expressão corporal como, por exemplo, falando sobre a raiva ao invés de quebrar um objeto. A palavra faz mediação entre o que sentimos e o que queremos comunicar. O que se observa em algumas crianças é a manutenção de formas de expressão corporais e concretas.

A escuta atenta da comunicação da criança não impede a existência de limites Os limites são importantes e um caminho interessante é o de ajudar a criança a se comunicar no lugar de descarregar seus afetos de forma agressiva. Não se trata de reprimir ou eliminar a agressividade, já que a agressividade faz parte da condição humana e tem uma face construtiva. É necessário ímpeto e agressividade como potência de ação para criar, pensar e desenvolver a autonomia. Ada Morgenstern sugere que se preste atenção em crianças silenciosas, que demandam menos da equipe dos serviços, pois impedidas de expressar a agressividade elas podem estar voltando a agressividade para si mesmas, podendo ocasionar a autodestruição.

Sobre a adolescência, afirma que é um período que revive questões da infância com intensidade. A escuta deve ser cuidadosa, os limites e a atenção ao que o adolescente precisa comunicar devem ser mantidos.

Na sequência da oficina, Valéria Pássaro dá início a sua fala trazendo a ideia de que na atualidade a sociedade se apresenta mais agressiva e excludente, e ressalta a importância da escuta e da criação de uma cultura de cuidado nos serviços de acolhimento. Ela lembra que a cultura de cuidado no Brasil adotava práticas agressivas e que seus resquícios perduram até hoje.

Ela questiona qual linguagem, ferramentas e espaços de escuta os serviços de acolhimento possuem para tratar das questões das crianças e adolescentes, e quais os espaços para tratar das questões, dúvidas e violências enquanto grupo de profissionais. Valéria pontua que a violência que parte de pessoas adultas é mais sutil, geralmente aparece nas palavras, com a negação do que o acolhido pode ou não expressar, e com a não escuta.

Ela propõe a criação de um ambiente seguro, constante e acolhedor para todos que estão nos serviços de acolhimento, já que a descontinuidade no cuidado é uma questão que pode aparecer em muitos serviços, ou porque mudam os profissionais ou porque mudam as estratégias e as rotinas, descontinuidade essa que gera insegurança e violência.

Valéria orienta sobre estratégias e espaços potenciais para produzir um ambiente acolhedor, seguro e contínuo:

1)    na linguagem, nos espaços de escuta e de fala. É necessária a existência de espaços de escuta e de fala não só para crianças e adolescentes, mas também para os adultos.

2)    A arte e a cultura como possibilidade de expressão, promotoras de experiências de elaboração dos afetos.

3)    Nos serviços é necessária a existência de espaços de elaboração e ressignificação do que foi vivido, do que incomoda e que pode explodir em agressividade.

4)    Existe a ideia instituída de que cabe somente à técnica da psicologia do serviço fazer a escuta das crianças e adolescentes, porém todas as educadoras precisam oferecer essa escuta. As educadoras estão em contato diário com o clima da casa e podem exercer esse papel.

A profissional define o limite como algo para além de somente dizer não para um acolhido quando necessário. O limite ajuda o sujeito a repensar quais sentidos e sentimentos dão sustentação para seus gestos e atitudes. Ele deve ser colocado assim que exista a percepção de que algo não flui bem e não somente no momento de uma explosão. Ao conhecer o ambiente da casa percebem-se sinais (uma palavra, um choro, um desenho) e o momento de se estabelecer algum limite para que não acarrete em uma explosão de agressividade. Sentir o clima da casa é crucial para agir com antecedência. Uma explosão de agressividade é prejudicial para a criança e o adolescente, para as profissionais e para o ambiente e deve ser evitada. Limites são importantes também para os profissionais dos serviços, que às vezes acabam por dizer o que os acolhidos precisam sem escutá-los.

Sobre as regras, ela questiona a quem elas servem: aos profissionais ou aos acolhidos? Isso não quer dizer que pode tudo dentro de um serviço de acolhimento, mas sim que existem serviços que adotam regras em demasia. A regra como algo imposto e não algo que se produziu através do diálogo, em oposição a colocação de limites como forma de cuidado, que prevê um processo de escuta de todos envolvidos.

Valéria ressalta que o serviço de acolhimento é essencialmente um lugar de desenvolvimento humano para todos que participam. É uma proposta coletiva que não pode paralisar o desenvolvimento de ninguém por medo ou insegurança. Assim, os diferentes plantões devem trabalhar alinhados tendo por horizonte o desenvolvimento e crescimento de todos. Ela reforça a presença da arte, cultura e espaços de escuta e fala como dispositivos essenciais para os serviços de acolhimento.

Ademais, aponta para a “contenção” de acolhidos e como ela pode ser algo perigoso. No entendimento da especialista, a contenção não é apenas segurar a criança para ela não bater em alguém, mas sim uma forma de oferecer colo. Aqueles que fazem a contenção, necessitam ser uma pessoa afetiva e ter um vínculo formado com a criança. A criança está jogando a agressividade dela para o mundo e o mundo precisa oferecer afeto para ela. É um momento de afeto e não de mais violência.

Por fim, foi aberto um espaço de diálogo entre as especialistas e os profissionais, no qual foi possível múltiplos olhares sobre o tema, questões sobre medicalização nos serviços, que pode acabar sendo uma forma também de contenção violenta.

Caso queira ver a oficina na íntegra, confirna no youtube: