No dia 06 de dezembro de 2021, foi realizada a oficina “Sexualidade: qual o limite entre a liberdade e a proteção?”, que contou com a participação de Elânia Francisca, psicóloga, especialista em gênero e sexualidade, mestra em educação sexual e educadora em sexualidade no Espaço Puberê.

Elânia iniciou se apresentando de forma auto descritiva, caso houvesse algum participante deficiente visual, e contextualizou que o assunto da sexualidade ainda é um tema bastante polêmico e um campo de disputa, porque diz sobre corpos e sexualidade, sendo que nesta oficina o foco foi sobre os corpos infanto-juvenis, uma vez que, em nossa sociedade, aprendemos que crianças não têm sexualidade. Durante muito tempo a palavra “sexualidade” estava atribuída ao ato sexual, e como o ato sexual está no campo dos adultos, foi ignorada a necessidade de conversar com as crianças e adolescentes sobre o tema. A especialista fez algumas provocações: “Será que sexualidade tem a ver com sexo?”.

Em seguida, Elânia fez um breve percurso histórico sobre a sexualidade infanto-juvenil no Brasil, assim como os direitos sexuais e reprodutivos. Ao longo da oficina foram utilizadas ferramentas para a construção de uma nuvem de palavras, pedindo para que os participantes respondessem “O que pensam quando ouvem a palavra sexualidade?”. Foi um momento bastante interativo e as palavras que mais se destacaram, foram: mente, corpo, sexo, prazer, descobertas, intimidade, desejo, tabu, natural, liberdade, família, energia, respeito, conhecimento e desenvolvimento.

A partir dessa atividade, Elânia comenta que para ela sexualidade é corpo e que além de termos um corpo, nós somos esse corpo. E não apenas o corpo físico, mas todo ele, até nossas vísceras. Ela fala ainda sobre a colonização do Brasil, partindo do principio que nossos corpos também foram colonizados, principalmente os povos originários e negros, e destaca um documentário da Netflix chamado: Guerras do Brasil.doc, no qual no primeiro capitulo, o filósofo e escritor Ailton Krenak, diz que o Brasil foi inventado e os nossos corpos também foram violentados e dominados.

Seguindo a atividade, Elânia aborda que a sexualidade pode ser olhada de forma positiva, e não tendo a violência como centro. Se repararmos, quando o assunto é sexualidade só abordamos o tema com as crianças pensando na prevenção da violência. É importante prevenir, mas também é importante garantir direitos, e quando falamos de sexualidade estamos garantindo o direito de ser um corpo no mundo.

A especialista comenta que toda criança tem o direito à convivência familiar e comunitária, e para isso, temos o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, temos o direito à educação e temos o Plano de Educação, temos o direito sexual e reprodutivo e temos o Plano de Enfrentamento ao Combate e Exploração da Violência Sexual, mas não temos o Plano de Garantia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das crianças e adolescentes. O que temos é um plano de prevenção, o enfrentamento e combate à violência, como se isso fosse a única coisa que devêssemos olhar quando o assunto é sexualidade, como se o prazer não fosse algo importante a ser vivido na infância e na adolescência, como se o desejo, a identidade e a orientação afetivo-sexual fossem questões do mundo adulto. “Falamos disso tudo, mas será que estamos olhando para o todo ou nosso olhar está sendo adultocêntrico?” Elânia ainda questiona o nosso lugar de privilégio adultocêntrico, quando estamos falando de determinado tema e, na banca, não estão os jovens para dar suas opiniões. Eles estão sempre nesse lugar de receber informações dos adultos.

Portanto, precisamos questionar a sociedade na qual estamos inseridos, e pensar como podemos contribuir nas relações (micro e macro) para que sejam anti-transfobia, anti-racista, anti-machista e anti-patriarcal.

Elânia continua sua fala abordando que desde que este território foi invadido, encontraram-se maneiras de falar sobre sexualidade de uma maneira muito complicada, baseada em violências. Então, houve um tempo em que falar de sexualidade tinha como pauta ensinar as meninas como ser boas esposas, e ensinar os meninos a serem bons maridos. Elas cuidando da casa, dos filhos, e o homem sendo o provedor, baseado em uma ideia machista e patriarcal.

A especialista também nos convocou a pensar no termo “menor”, ainda muito utilizado pelos profissionais que atuam no Sistema Garantia de Direitos, e faz um apelo aos participantes, que a partir de agora passem a usar crianças ou adolescentes, uma vez que utilizar o termo “menor” possui uma conotação de inferioridade, além de ser pejorativo. Elânia também destaca que, em 1990, conquistamos o ECA, e ele nasce a partir de muita luta. Um dos precursores para que esta fosse uma conquista do nosso país foi o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, eles foram e ainda são um movimento que muito lutou pela efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. Ela cita o documentário do 2º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que pode ser encontrado aqui.

Continuando, Elânia frisou a relevância das meninas, meninos e menines estarem construindo e discutindo juntes seus direitos. Ainda, foi aberto um questionamento para as pessoas presentes: “quem sabe o que são pessoas cisgêneras e pessoas transgêneras?”. De 60 pessoas presentes, apenas 10 pessoas sabiam, e contextualizou que quando nascemos temos uma certidão de nascimento que certifica que estamos no mundo, e nela consta o seu nome, filiação, e o sexo, porém inventaram que toda pessoa que tem pênis é menino e toda pessoa que tem vulva é menina, mas existem muitas pessoas que não se identificam com isso. Então, toda pessoa que nasce e se identifica com o sexo que está escrito na sua certidão de nascimento podemos chamar de cisgênero, a pessoa trans já não concorda com o que está escrito na certidão de nascimento, e neste momento a especialista convoca todes a pensar que, nesse caso, o problema não está na pessoa , mas sim na certidão de nascimento, e também a forma como padronizaram que um indivíduo pode se limitar a ser apenas menino ou menina.

Durante a oficina, houveram muitos espaços de reflexões e trocas juntamente com as pessoas presentes. Importante ressaltar que, ao longo da oficina, a especialista trouxe muitos teóricos, documentários e filmes para ajudar a pensarmos nesse tema que não se restringe unicamente à sexualidade, mas aprofunda para questões de raça, classe e desigualdade social, um recorte bastante relevante.

A oficina completa está disponível no nosso canal no Youtube: