OFICINA – O trabalho em rede na garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de acolhimento

OFICINA – O trabalho em rede na garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de acolhimento

No mês de maio de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O trabalho em rede na garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de acolhimento”. Tivemos como convidados os profissionais, Kwame Yonatan – Psicólogo e mestre empsicologia pela UNESP-Assis, doutor pela PUC-SP. Atua como supervisor e é professor no Instituto Gerar. Ativista do movimento negro pela saúde mental.Tem experiência profissional em políticas públicas, sendo supervisor institucional de profissionais do SUS e do SUAS. Atualmente, também compõe o coletivo Margens Clínicas; e Francisco Cesar Rodrigues (Chico) - Jornalista formado pela Universidade Brás Cubas e mestrando em Serviço Social pela PUC/SP. Iniciou trabalho na área social como Educador Social em 1991, na extinta Secretaria de Menor. Trabalhou em Organizações de acolhimento de crianças e adolescentes, foi Conselheiro no CMDCA/SP, Assistente Técnico na coordenadoria de criança e adolescente da Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo e Supervisor de Assistência Social na região noroeste da capital, foi diretor de unidade de internação de adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa e esteve à frente da Superintendência de Desenvolvimento Social da Organização Sustenidos, gestora do Projeto Guri em cerca de 300 municípios do Estado de São Paulo. Atuou como militante na causa da criança e adolescente nos Fóruns municipal e estadual DCA e hoje milita nos movimentos de cultura e arte periférica, com os coletivos de Slam.

O profissional Chico iniciou os trabalhos resgatando as mudanças sociais frente a sua caminhada, e mencionou como é importante “se aventurar no desconhecido” para que possamos construir e atender demandas atuais, pensando o trabalho em rede.

Indicou como referencial de sua prática a produção do Professor Antônio Carlos da Costa, falando sobre a articulação, mobilização e a compreensão do Nó da rede. Realizou uma explanação a partir de marcos presentes na legislação: Constituição (88); Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)  e demais Políticas Públicas  voltadas para infância e juventude. Apresentou os princípios que devem reger entes que se articulam, tais como: a complementaridade, a unificação de fazeres, o respeito à identidade de cada articulado, uma vez que se convergem, a autonomia de quem se articula e o dinamismo.

O profissional indicou ainda, atitudes que favorecem o processo de articulação, no qual mencionou: a percepção da conjuntura do dia a dia, identificação atenta e criteriosa de interlocutores e parceiros, explicação e aprofundamento constante de um referencial comum de crença e valores, entre pessoas, grupos ou entidades participantes de um processo de articulação.    Planejamento conjunto, participativo e estratégico das ações, avaliações presentes das atividades desenvolvidas. Destacou a questão da incompletude institucional e de que o sujeito criança e adolescente não deve ser fragmentado, mas sim integrado. O trabalho em rede deve partir dos vínculos básicos com a Família, Escola e comunidade. Finalizou sua explanação indicando que “sem articulação não há mobilização e sem mobilização não há mudança na ordem social”.

O segundo momento da oficina foi conduzido pelo profissional Kwame, que compartilhou sua experiência de alguns trabalhos em rede. Nomeou sua fala com o título “ Aquilombamento como tessitura de rede – a construção do comum na diferença”. Apresentou um caso para articular com os conceitos, retomando a ideia do nó da rede apresentada pelo profissional Chico e destacando a complexidade dos casos que chegam nos serviços. Afirma a necessidade do trabalho em rede como forma de intervenção.

Realizou sua explanação a partir de esquema do processo de rota crítica da lei Maria da Penha, e indicou que, a partir de sua experiência de aquilombamento, mais de 50% da população atendida pelas políticas públicas é negra, sendo que no SUS chega a ser 80%. Levou o grupo a refletir sobre esses dados e questionou o que isso significa em termos de atendimento? Como estamos atuando, considerando essas estatísticas?.

  O profissional realizou um breve resgate dos marcos históricos da realidade das pessoas negras ao longo da história para conceituar o racismo estrutural. Citou autores como Cloves Moura para falar sobre o sujeito negro, a desigualdade e o conceito de Quilombagem, de Abdias do Nascimento – Livro Quilombismo. Destaca a ideia do autor sobre a necessidade de restituição histórica, frente à destituição histórica vivenciada em nossa constituição. 

Kwame apresentou o processo de quilombo como algo que envolve a ideia de afeto - ressalta o caráter técnico, mas indica a necessidade de serem afetivas - referenciado na construção da autora Beatriz Nascimento. Concluiu de sua fala indicando o trabalho do autor Emiliano Camargo, que propõe a ideia de aquilombação. Menciona que o aquilombamento é “um mundo sem muros da colonialidade”, o que acredita que é possível.

Ao fim da oficina o grupo é provocado a participar de uma sensibilização no qual pôde discutir e construir coletivamente estratégias de rede que atendessem o cotidiano de trabalho de seus Serviços.

Assista a oficina na íntegra

OFICINA – O trabalho com histórias de vida

OFICINA – O trabalho com histórias de vida

No mês de abril de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O trabalho com histórias de vida” na cidade de Guarulhos e Campinas. Tivemos como convidadas as profissionais, Stéfani Dias Leite - graduada em História e atualmente mestranda em História pela Unifesp, atua também como formadora do Museu da Pessoa em diferentes projetos do Educativo e como pesquisadora com bolsa FAPESP e Fernanda Gomes- Assistente Social, atriz e mestranda no Programa de Pós Graduação em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades- FFLCH-USP.  Atualmente é formadora do Museu da Pessoa. Criadora e produtora do Documentário Eu sou a Próxima, criadora, atriz e diretora  do curta "Perfume de cândida".

Tivemos também a presença da profissional Iara Caldeira do Amaral, Psicóloga formada pela PUC-SP, com atuação na área clínica e social, faz parte do coletivo 'Odô – consultoria criativa' e do Coletivo Margens Clínicas pela REM (Rede de Escutas Marginais). É facilitadora de grupos, atende adolescentes e adultos no consultório particular, e é professora de Yoga.

As profissionais Stéfani e Fernanda iniciaram a oficina apresentando o Museu da pessoa, indicando que o acervo do museu é composto pelas histórias de vida, que toda e qualquer pessoa pode estar, bem como a importância das histórias enquanto patrimônio. “A obra de arte do museu é a narrativa oral de cada um que compartilha a sua história" e que “trabalhar com essas histórias de vida também é trabalhar memoria”. 

A partir dessa explanação as profissionais convidadas realizaram uma sensibilização dos profissionais presentes com uma metodologia utilizada pelo Museu da pessoa - as rodas de histórias. Após a finalização das rodas, relacionaram os recursos presentes na roda de história, como escuta com o trabalho dos profissionais nos serviços de acolhimento e destacaram que “a importância do trabalho com histórias de vida e da escuta ativa é conseguir criar laços”.

O segundo momento da oficina, foi conduzido pela profissional Iara, que após o aquecimento do grupo, resgatou a vivência corporal para falar sobre a importância da percepção do corpo no trabalho com histórias de vida. 

Iniciou sua explanação indicando que o trabalho com histórias de vida deve ser construído  a partir da chegada da criança e ou adolescente  no serviço e como se dão os encontros a partir de então.

Apresentou o conceito de “Sankofa”, que se trata de um conceito de origem africana  e também conhecido como Adinkra – conjunto de ideograma que conta a história de um povo. Indica que “Sankofa” fala sobre olhar para trás e que nesse sentido ao pensar o trabalho com histórias de vida e histórico do acolhimento  no Brasil, é necessário olhar para nossa constituição enquanto pais.

Iara contextualizou a construção das infâncias a partir dos marcos históricos, indicado o processo de apagamento das vivências desse público, bem como as marcas do processo de escravização, destacando que devemos considerar esse contexto do passado, para que possamos olhar e fazer a escuta atual desses sujeitos.

Lembra-nos que o trabalho com histórias de vida  está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 100 e que devemos olhar para trás e nos questionar como estamos garantido esse direito no cotidiano de trabalho com crianças e adolescentes acolhidos. A profissional reconhece ser um desafio o trabalho com histórias de vida num contexto coletivo, mas indica a importância do olhar singular e ressalta que cada criança e adolescente é único.

Compartilhou recursos para o trabalho com historia de vida como a escuta e leitura do cotidiano e abordou sobre o trabalho do Programa Fazendo História e metodologia, apontado como uma estratégia para viabilizar e garantir a privacidade e direito a verdade no contexto de acolhimento, a profissional também destacou a importância de se considerar o território como parte do trabalho com historias de vida. 

Assista a oficina na íntegra

OFICINA – A relação com o sistema judiciário: caminhos na efetivação de direitos

OFICINA – A relação com o sistema judiciário: caminhos na efetivação de direitos

No dia 19 de abril de 2023, o Instituto Fazendo História realizou a primeira oficina presencial do Projeto Capacitação em Serviços de Acolhimento, com o apoio do FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis, centro da cidade de São Paulo. Com o tema “A relação com o sistema judiciário: caminhos na efetivação de direitos”, o encontro foi direcionado aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento Institucional, Familiar, Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos. 

A oficina contou com a participação de Eliana Kawata, psicóloga judiciária chefe do Setor de Psicologia da Vara Central da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP, graduada pela USP/SP, mestre em Psicologia Social pela PUC/SP e especialista na área de Violência Doméstica contra crianças e adolescentes pelo Laboratório de Estudos da Criança da USP/SP; e também de Gracielle Feitosa de Loiola, mestre e Doutora em Serviço Social pela PUC-SP, com exercício profissional nas áreas da assistência social e judiciária, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes - NCA/SGD e autora do livro Produção sociojurídica de famílias "incapazes": do discurso da "não aderência" ao direito à proteção social, pela editora CRV (2020).

Em um primeiro momento, Eliana apresenta um panorama do sistema de justiça, partindo de um breve histórico, no qual percorre desde a Doutrina da Situação Irregular, que controlava a situação de crianças e adolescentes em situação de pobreza ou que haviam cometido atos infracionais, considerando estes como menores e meros objetos do estado. Ela indica a Constituição federal (1988), a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - 1990) como marcos que instauram a Doutrina de Proteção Integral, quando se passa a considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e a garantia desses direitos como prioridade absoluta, a ser assegurada pela família, estado e sociedade. 

Eliana também traz matérias jornalísticas publicadas ao longo das décadas, assim como pesquisas, para marcar a visão que se tinha das crianças e adolescentes em situação de acolhimento, como geradores de sua marginalidade e culpados pelas violências que sofriam, contrapondo com a que deve prevalecer cada vez mais no trabalho com esse público, na qual não podem ser responsabilizados, sendo o fracasso da sociedade e do estado. A partir daí, pontua uma série de condições que precisam ser garantidas para o rompimento de uma cultura de institucionalização rumo à cultura de garantia de direitos, dentre elas, o fortalecimento da família e sua inclusão em políticas públicas como primeira resposta às situações de vulnerabilidade ou risco, o caráter excepcional e provisório da medida de acolhimento, o respeito à história e à individualidade de cada criança e a convivência comunitária como direito.

Pautada pelo ECA, a especialista apresenta dados e ações que precisam ser conhecidos pelas equipes dos serviços de acolhimento na sustentação de seu trabalho e nos posicionamentos necessários enquanto parte da rede, tais quais, como deve funcionar a política de atendimento, os eixos que compõem o sistema de garantia de direitos, quem são os atores que integram o sistema judiciário e suas funções e quais os princípios devem nortear a aplicação da medida protetiva. Ela indica o papel primordial do judiciário de julgamento e decisão de cada caso, mas, ao mesmo tempo, enfatiza a importância do estudo diagnóstico com envolvimento de toda rede, avaliando riscos para a criança ou adolescente e quais as condições e potencialidades da família para lidar com as suas violações.

Eliana aborda o Plano Individual de Atendimento (PIA) como um dos principais instrumentos, com poder de lei quando homologado pelo judiciário, para o trabalho com a criança ou adolescente em situação de acolhimento. Deve ser construído pela equipe do serviço com a escuta e participação das crianças, adolescentes e famílias, tendo em vista sempre a reintegração familiar, e, em casos específicos, pode também subsidiar quando não tiver mais para onde avançar e se determinar pela adoção. Ela ainda aponta os principais avanços que identifica no sistema judiciário, reforçando uma maior rapidez nos encaminhamentos dos processos, e quais são os desafios, ressaltando a relevância de uma política preventiva, de enfrentamento da pobreza e de participação da sociedade na escolha dos conselheiros tutelares. 

Em seguida, Gracielle apresenta como os dados e princípios trazidos por Eliana se materializam no cotidiano, a partir de um caminho provocativo e de narrativas de sujeitos que participaram de suas pesquisas que contribuem para pensar sobre essa realidade. Logo, traz a seguinte provocação: ao construir o PIA será que, de fato, escutamos as pessoas, tensionando o judiciário e pensando medidas de proteção para aquela família, ou apenas naturalizamos histórias e cumprimos um fazer burocrático, seguindo uma perspectiva de punição e moralização?  

A especialista, fazendo uso de imagens, convoca os participantes a pensarem qual o lugar do sistema judiciário, ressaltando como, por um lado, se apresenta como uma instituição que deve garantir direitos e, por outro, é marcado por uma linha de responsabilização e punição. E como as demais instituições, onde se incluem os serviços de acolhimento, ficam entre um jogo de tensões, propícias a estabelecer uma relação hierárquica e conservadora, muitas vezes respaldada pelos próprios profissionais desse sistema. Ela traz como esse deve ser um lugar de atenção na atuação profissional e como os serviços não devem trabalhar para o judiciário, assumindo um lugar de subordinação e de subsídio às suas decisões, mas com ele, identificando que sua posição pode ser de discordância e de apresentação de contrapontos. São eles que estão mais próximos das famílias e podem indicar as ausências de proteção do estado, utilizando os relatórios para tensionar e falar por elas, já tão silenciadas.

Ao apresentar trechos de falas de mulheres que participaram de suas pesquisas, muitas com trajetória de rua, de uso de substâncias psicoativas e que tiveram suas vidas judicializadas na maternidade, Gracielle nos desafia a pensar quem são essas famílias e compreender quais as histórias por trás da história, além do tipificado em um discurso de não aderência ao acompanhamento. Aponta como as vivências e valores de quem trabalha com essas famílias podem atravessar o fazer profissional, influenciando na avaliação de sua capacidade protetiva e acabando-se por não questionar questões estruturais mais amplas. Problematizando o uso das palavras vulnerabilidade e negligência, ela traz o perigo de individualizar a questão e responsabilizar as famílias, sem considerar o quanto são vulnerabilizadas, negligenciadas e desprotegidas pelo estado e sem acionar respostas públicas para essas situações.

A especialista também chama a atenção para que a forma como os serviços se posicionam nos relatórios pode virar verdade sobre as famílias que atendem, provocando a pensar como se tem escutado e escrito sobre elas: que parâmetros usamos para medi-las? Que valores e escolhas vão nortear o fazer profissional cotidiano? Devolvemos às famílias o que escrevemos sobre elas? Reforça como as palavras são políticas e revelam sempre uma intenção, de forma que a escrita não pode ser automática e deve expressar e desvendar a realidade vivida pelas famílias, particularizadas por questões de raça, classe e gênero, e suas desproteções. Finaliza abordando como sempre deve estar no horizonte do profissional qual a intencionalidade que o guia, de modo a reforçar uma potência punitivista e fiscalizadora ou uma potência emancipatória e de questionamento, e o cuidado para não cair na responsabilização individual de algo que é estrutural.

Na segunda parte da oficina, os participantes puderam discutir em grupos, e em seguida com a mediação das especialistas, sobre os principais desafios e alternativas que identificam para lidar com as questões na relação com o judiciário no cotidiano.

Confira o vídeo coma oficina completa, no nosso canal no YouTube.

Interagindo com o bebê - uma via de mão dupla

Interagindo com o bebê - uma via de mão dupla

Como se interage com um bebê? Essa pergunta evoca uma série de ideias. Leia nosso conteúdo e entenda um pouco do que está envolvido nessa interação que é, antes de qualquer coisa, uma via de mão dupla.

A importância do respeito às origens

A importância do respeito às origens

No contexto do acolhimento e adoção de crianças e adolescentes, nos deparamos com inúmeras fantasias acerca das famílias de origem que entregam seus filhos ou os têm retirados pelo Estado quando é verificado que, por algum motivo, elas não estão sendo capazes de  garantir os direitos da criança naquele momento. É necessário cultivar o respeito às origens de cada individuo e é sobre isso que falamos nesse conteúdo. Saiba Mais


O trabalho com histórias de vida e família - Estratégias de cuidado

O trabalho com histórias de vida e família - Estratégias de cuidado

No dia 01 de fevereiro de 2023, tivemos o prazer de receber no Instituto Pólis, localizado no centro de São Paulo, duas convidadas/especialistas para uma oficina com o tema "O trabalho com histórias de vida de crianças e famílias - Estratégias de cuidado". Leia o conteúdo completo!

Oficina O Papel do(a) Educador(a) no serviço de acolhimento

Oficina O Papel do(a) Educador(a) no serviço de acolhimento

No mês de fevereiro de 2023 o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, iniciou o ciclo de oficinas na cidade de Guarulhos e Campinas.  Serão realizados 20 oficinas durante o ano de 2023, sendo 10 em Guarulhos, e 10 replicados no município de Campinas, direcionados aos profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento Institucional, Familiar, Rede Sócio Assistencial e do Sistema de Garantia de Direitos. O primeiro tema abordado foi “O papel do(a) educador(a) no Serviço de Acolhimento”. Tivemos como convidado o profissional Paulo Silva, educador social da Política do Sistema Único de Assistência Social - SUAS desde 2004 através de diversas organizações da Sociedade Civil das cidades de São José dos Campos e atualmente em Campinas – SP. Formado no Campo da Pedagogia, Especialista em Arte Educação pelo Instituto Brasileiro de Formação para Educadores. Coordenador Cultural do Projeto Poética Musical. Co-fundador do GEPPES - Grupo de Estudos e Práticas Permanentes em Educação Social.

Materiais produzidos pelo GEPPES

Tivemos também a presença da profissional Valéria Pássaro, pedagoga, com especialização e larga experiência na área de educação e acolhimento. Foi coordenadora da Casa das Expedições, serviço de acolhimento em São Paulo, construindo junto à equipe um projeto político pedagógico criativo e transformador, apoiado em propostas de educação libertária. É atualmente diretora executiva da Moradia Associação Civil.

Paulo iniciou os trabalhos do dia, utilizando como método de sensibilização imagens geradoras que foram expostas no ambiente durante a chegada dos participantes e fez uso de sua trajetória profissional para discutir a temática proposta.

 A partir da pluralidade de profissionais presentes no encontro, Paulo destacou a importância da multidisciplinaridade e interdisciplinaridade nos processos de trabalho, bem como, reconheceu o avanço das Políticas Públicas voltadas para crianças e adolescentes e suas famílias. Paulo é o primeiro educador a ocupar um cargo de Coordenação, em um serviço no Sistema Único de Assistência Social - SUAS em seu município, e   aponta a importância deste lugar,  a partir de sua compreensão de que o trabalho se faz junto e não sozinho. Em sua explanação teve como principal objetivo provocar a reflexão sobre a identidade educadora, na perspectiva de que o SUAS tenha processo de educação permanente voltado para reflexão deste trabalho e que seja parte de uma cultura na Política de Assistência Social.

O profissional faz menção a Paulo Freire, indicando que todos os profissionais do Serviço de Acolhimento são educadores e que a discussão deste tema é importante para que ocorram avanços no atendimento de crianças, adolescentes e seus familiares, uma vez que os educadores(as) estão em relação cotidiana com eles, e conseguem realizar avaliação de fatores de proteção e fatores de risco.

Fala da importância dos detalhes que estão presentes na relação entre crianças e adolescentes e profissionais, que é a partir do reconhecimento das necessidades destes sujeitos que vamos avançar. Finaliza sua fala, destacando que a forma como este profissional se relaciona com o lugar de educador(a) vai implicar em seu trabalho. 

Valéria dá início a sua fala reconhecendo os avanços da Política de Assistência Social e apontando o desafio do trabalho se modificar a fim de ter qualidade no fazer. 

A profissional também se volta para sua trajetória como educadora, para falar sobre o papel do educador. Indica que todos somos educadores na relação com outro humano, no qual todos estão em desenvolvimento e somos afetados na relação e que nesse sentido é necessário se questionar: O que somos? Por que estamos no serviço? O que queremos com isso? E para onde vamos?

Fala que a educação social “é poder ajudar a promover a educação e o desenvolvimento do outro e o nosso”, reforçando que somos afetados e provocados a pensar o nosso estar no mundo e de que modo podemos tocar o outro. Valéria aborda a importância de ter disponibilidade afetiva e intencional, no qual os profissionais devem saber onde querem chegar, para que não caiam no vazio, e que para isso é necessário tomada de consciência. Fala sobre a importância da construção coletiva de um Projeto Político Pedagógico – PPP para o Serviço, destacando que o trabalho não deve ser mecânico, que com os avanços a Política de Assistência Social, o trabalho foi se burocratizando o que implica no trabalho com relações Humanas. Destaca que não será na manutenção das coisas que vamos avançar.

Outro aspecto importante apresentado por Valéria foi sobre a necessidade de que o ambiente seja educador - no clima e na proposta humana que se coloca no ambiente - e que deve ser algo constante. Aponta que os profissionais devem ajudar as crianças e adolescentes a sonharem seus futuros. Para Valéria. “é preciso imaginar para encontrar realidades” - a realidade não está dada, portanto devemos inventá-la diariamente.

A profissional finalizou sua explanação indicando que o serviço de acolhimento deve ser compreendido como uma parte da sociedade, e trás para dentro tudo que está presente no campo social, deste modo tudo fica contido no cotidiano do acolhimento. Indica que faz parte do papel do educador olhar para fora e ver o que está sendo produzido a respeito destas questões para que possamos nos preparar para o trabalho.

Assista a oficina na íntegra: https://youtu.be/0Gd5eNmdRUk




Oficina Transições no Acolhimento: chegadas e partidas

Oficina Transições no Acolhimento: chegadas e partidas

Nesse mês de março o Instituto Fazendo História em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP realizou oficinas nas cidades de Guarulhos e Campinas com o tema “Transições no acolhimento: chegadas e partidas”. O evento faz parte de um ciclo de oficinas que ocorrem mensalmente em Guarulhos e Campinas e acontecerão até o final de 2023.

Para a explanação do tema tivemos Lara Naddeo, que é psicóloga pela PUC-SP, mestre em intervenção psicossocial e atua há 10 anos no universo do acolhimento de crianças e adolescentes, sendo co-autora do Guia de Acolhimento Familiar e consultora de projetos na área do acolhimento e adoção; e Adriana Pinheiro, assistente social, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Políticas Públicas e Direitos Sociais, e em Instrumentalidade do Serviço Social. Atuou como assistente social e coordenadora de um Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora por 20 anos. Atualmente é membro do Observatório da Infância e Adolescência (OIA) do Núcleo de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp.

Lara iniciou sua apresentação relacionando os conceitos vínculo, apego e despedidas com o tema acolhimento. Pontuou que o acolhimento acontece após um rompimento, em sua maioria brusco e violento, e a criança/adolescente tem de se adaptar a uma nova realidade, o que lhe exigirá um processo de luto. Explorou o tema luto, saindo da concepção de que ele apenas acontece quando há a morte, e salientando que é a reação à perda de um vínculo, de algo conhecido e é um processo de adaptação e reorganização após a perda.

Diante disso, e considerando que todas as crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento passaram por um rompimento e preferencialmente também se despedirão do serviço de acolhimento ou de sua família acolhedora, Lara diferenciou o processo de separação da ruptura, sendo o primeiro gradual, cuidado, narrado e com espaços de acolhimento para o sofrimento, e o segundo violento, traumático, não nomeado e sem espaço para legitimar o afeto e o desejo de quem por ele passa.

Lara refletiu com as/os participantes da oficina – trabalhadoras/es de serviços de acolhimento e da rede socioassistencial no geral – a importância de cuidar do momento da chegada e da saída do/a acolhido/a, que precisa de afeto e segurança para apropriar-se de sua história e elaborar suas despedidas.

Posteriormente, Adriana deu continuidade ao tema trazendo estratégias de atuação frente às transições das crianças/adolescentes acolhidos. Falou sobre o que a equipe do acolhimento pode utilizar para acolher a chegada da criança/adolescente e também para preparar a saída do serviço.

Dentre as sugestões, citou o cuidado, afeto e tempo necessário – escuta sensível e atenta; a importância de reunir informações sobre rotinas, hábitos e necessidades para minimizar o impacto da mudança, e também refletiu sobre a necessidade de contato com a família de origem logo após o ingresso da criança/adolescente no serviço, a fim de acolher os sentimentos da família e promover o trabalho de manutenção de vínculos.

No segundo momento da oficina, as/os participantes assistiram ao vídeo “Removida”, que narra a história de uma dupla de irmãos que foram separados de sua família e foram morar com uma família acolhedora mostrando os desafios de se adaptarem e de se abrirem para novos vínculos, tendo em vista o sofrimento pela separação de sua família de origem. Após o vídeo, foram divididos em grupos menores para pensar na atuação dos profissionais da rede de garantia de direitos frente à situação dos irmãos – quais seriam as ações que realizariam.

Após assistirem à construção de cada grupo, as especialistas dialogaram com as/os participantes da oficina, respondendo às perguntas e considerações trazidas acerca da temática.


Confira o vídeo com com a oficina completa: https://youtu.be/kfpfW9unlqE


Desafios, preocupações, medos e angústias de quem completa 18 anos em um serviço de acolhimento

Desafios, preocupações, medos e angústias de quem completa 18 anos em um serviço de acolhimento

Talvez você nunca tenha parado para pensar a respeito, mas sabia que alguns adolescentes acolhidos em abrigos, casas lares ou famílias acolhedoras não puderam voltar a morar com suas famílias de origem e não foram adotados por não terem perfil compatível com aquele desejado pelos pretendentes à adoção?  

Essas meninas e meninos ficarão acolhidos até completarem 18 anos. Depois disso serão encaminhados para uma República Jovem (única política pública específica para esse público e onde podem permanecer por até 3 anos) ou viverão por conta própria.

Gostaria de convidar você para um exercício de empatia, de se colocar no lugar desses adolescentes por alguns minutos e refletir: que desafios, preocupações, medos e angústias eles possivelmente enfrentam?

Antes de pensarmos sobre as especificidades desses adolescentes, vale considerarmos que o período entre a infância e a vida adulta não costuma ser fácil nem mesmo para aqueles que vivem com suas famílias e possuem amplo apoio afetivo e material, não é mesmo?

A adolescência, que pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é o período entre os 12 e 18 anos de idade, é marcada por mudanças significativas e intensas, que transformam o modo como o indivíduo se reconhece e se coloca no mundo. Nesta fase, o jovem começa a dar novos sentidos e significados para o corpo que está em transformação, para os laços sociais e para suas relações, construindo uma nova definição de si mesmo. Na passagem do mundo infantil para o mundo adulto são feitas escolhas pessoais e profissionais, ao mesmo tempo em que surgem novas expectativas sociais. É um tempo de intenso trabalho emocional.

Os projetos de vida elaborados nessa fase da vida são construídos, por um lado, a partir da visão que o adolescente tem de si mesmo, de suas qualidades, desejos e propósitos, e, por outro, a partir das oportunidades concretas que o mundo externo oferece e que, no contexto do acolhimento, podem ser extremamente desiguais devido a questões de raça, classe, sexualidade e gênero. É preciso lembrar que a maioria das crianças e adolescentes acolhidos são pretos e pardos e, devido ao racismo estrutural que caracteriza nosso país, enfrentam inúmeras desvantagens em relação a pessoas brancas, seja no mercado de trabalho, na distribuição de renda, nas condições de moradia, na educação, nas diversas formas de violência ou na representação política. Como consequência, há maiores níveis de vulnerabilidade econômica e social neste grupo. Adolescentes meninas enfrentam ainda desafios ligados à discriminação e desigualdade de gênero, que coloca meninas e mulheres em condições de maiores dificuldades de vivência e sobrevivência e reforça estereótipos e papéis de gênero sob a crença de que o sexo masculino é superior ao feminino.  

Em meados de 2021, foi realizada uma visita com um grupo de adolescentes em situação de acolhimento a uma exposição sobre Carolina Maria de Jesus, importante escritora brasileira negra que, por meio de sua arte, retratava questões sociais de um povo negro, periférico e pobre. Ainda na entrada, três adolescentes que compunham o grupo – não por acaso negros – tiveram uma truculenta e abusiva abordagem policial. Apontando as armas para suas cabeças e hostilizando-os, os policiais os acusavam de terem furtado pessoas das proximidades. Mesmo em meio as intervenções e protestos das técnicas que acompanhavam o grupo, eles continuaram com a ação violenta, intimidando-as e constrangendo os adolescentes ainda mais, em frente a uma fila de pessoas que aguardava para adentrar à exposição. Não encontraram nada. Além das técnicas e integrantes do próprio grupo, não houve reação de nenhuma outra pessoa que estava acompanhando a situação, nem da instituição que se propunha a denunciar, por meio da Carolina Maria Jesus, o racismo e as desigualdades sociais.

Há muitos desafios que os adolescentes junto às suas famílias em um contexto de vulnerabilidade podem enfrentar, contudo, para os que vivem no contexto de acolhimento, há ainda outros, acredite. Somam-se aos desafios já descritos o fato de que muitos estiveram acolhidos por muitos anos e precisarão necessariamente se desligar do serviço ao completarem 18 anos. Essa despedida compulsória muitas vezes ignora o desejo e o tempo que cada um necessita para uma mudança tão grande e relevante. Afinal, quantos de nós ou dos adolescentes que conhecemos estavam prontos para sair de casa e se virar sozinhos nessa idade?

                Camila[1] é uma jovem de 19 anos, que ficou acolhida em um mesmo serviço por aproximadamente 9 anos até completar a maioridade e se desligar. No período de acolhimento, perdeu o contato com sua família de origem e seu irmão mais novo, que estava com ela no mesmo serviço e passou por uma adoção internacional. Camila seria adotada junto com ele, entretanto, a família pretendente a rejeitou e levou somente seu irmão. Durante o período de acolhimento, Camila tomava muitos medicamentos em decorrência de questões relacionadas à sua saúde mental.  Quando completou 18 anos, teve que sair do abrigo e teve muitas dificuldades para se adaptar a um novo espaço e rotina. Passou por duas repúblicas, tentou morar sozinha, morou com amigas, passou por albergue e hoje, retornou para república. Neste período, tomou a decisão de suspender toda sua medicação, alegando que não conseguia ser ela mesma com a alta dosagem, e isso afetou severamente seu humor e seu comportamento. Sua rede de apoio era bastante restrita e frágil, o que tornou sua saída ainda mais desafiadora. A jovem foi gradativamente compreendendo suas experiências dentro e fora do abrigo, encontrando outros espaços sociais de pertencimento e aderindo ao acompanhamento psicológico. Hoje está mais fortalecida em seu discurso e atitudes em torno de seus projetos e planos para o futuro.

O adolescente que irá se desligar pela maioridade se vê forçado a enfrentar o mundo muitas vezes sozinho, em uma idade que não está pronto para isso. Além disso, se despedir aos 18 anos do local em que viveu, às vezes por muitos anos, pode significar perder um lugar de pertencimento para o qual não se pode voltar sempre que quiser pedir ajuda, compartilhar notícias ou simplesmente almoçar num domingo ao lado de pessoas queridas. Nessa mudança, perdem-se também laços afetivos importantes construídos com pessoas que talvez não volte a conviver.

A adolescência é também um tempo de resgate da própria história. Entrar em contato, elaborar e integrar histórias pessoais e familiares, assim como superar ou identificar-se com valores ligados à sua origem, permite construir e escrever uma história futura. No entanto, adolescentes que ficaram acolhidos por muitos anos podem ter muitas lacunas em suas memórias. Por que fui acolhido? Por que fiquei aqui por tantos anos? O que realmente passou com minha família? Onde estão meus pais, irmãos, avós? Por que não fui adotado? É possível ser feliz sem ter uma família? Sou merecedor de amor e cuidado? Com quem poderei contar quando eu não estiver mais acolhido? Essas podem ser algumas das perguntas para as quais nem sempre encontram respostas. E exigir a projeção de um futuro a partir de um passado muitas vezes incerto chega a ser injusto.  

Manoel[2] é um adolescente negro de 17 anos, prestes a completar 18, que reside em serviço de acolhimento institucional desde os 10 anos de idade, junto com um irmão que hoje tem 16 anos. Em um primeiro momento, ficaram acolhidos com dois irmãos mais novos. Posteriormente, os menores foram destituídos do poder familiar e encaminhados para adoção. Por conta disso e com o objetivo de afastar os irmãos, Manoel e o irmão de idade mais próxima à dele foram transferidos para um outro serviço de acolhimento. O tempo foi se passando, os vínculos foram se enfraquecendo e atualmente o adolescente não tem mais informações sobre os pais e outros familiares, nem mesmo sobre seus dois irmãos mais novos. Já houve duas tentativas de apadrinhamento afetivo que não deram certo, colocando-o, novamente, em experiência de rompimento de vínculos e sensação de abandono. Atualmente, os adolescentes têm um padrinho afetivo e existe um grande vínculo entre eles. Manoel sempre expressou o desejo do padrinho adotá-lo, mas por diversas razões isso não é possível. Assim, o adolescente se prepara, como pode, para em breve se desligar do acolhimento e seguir por conta própria.

Experimentar, desistir e experimentar de novo faz parte da descoberta do mundo e do processo de amadurecimento. Mas os adolescentes acolhidos têm menos chances de fazer essas experimentações, uma vez que eles e os adultos responsáveis por eles vivem sob a pressão de tomar decisões urgentes ligadas a necessidades básicas de moradia e trabalho. Onde e com quem vou morar? Que trabalho me interessa? Os trabalhos que me interessam estarão disponíveis para alguém como eu? Essas provavelmente são outras perguntas que os adolescentes se fazem.   

Esses fenômenos, que muitas vezes ocorrem de forma extremamente violenta, produzem um efeito absolutamente singular na história de vida de cada indivíduo e no seu modo de ser, existir e transitar no mundo. Há muitas adolescências possíveis, não há um modo único para definir os adolescentes que estão no serviço de acolhimento. No entanto, sabemos que é essencial para todos uma preparação verdadeiramente gradativa para o desligamento e um contexto que oportunize uma vida digna, saúde, moradia, renda e educação. Isso deve incluir a aquisição gradual de habilidades práticas (gerir dinheiro, cuidar da casa, fazer comida, trabalhar), acesso a serviços socioassistenciais fundamentais para esse momento da vida (benefícios disponíveis, alternativas de moradia, possibilidades de emprego) e vínculos afetivos duradouros com adultos que os ajudem a perceber e reconhecer suas habilidades, qualidades e potências e a tomar decisões.

Entrar em contato com essa realidade, colocando-se genuinamente no lugar desses adolescentes não é fácil e a princípio você pode se sentir impotente, ficar com a impressão que não tem nada ver com isso ou que nada pode fazer a respeito. Mas a sociedade civil tem muito a contribuir com esses meninos e meninas, seja se vinculando de forma duradoura a eles como madrinha ou padrinho, seja abrindo as portas de sua empresa para oferta de bons empregos, seja ensinando um ofício, seja dando mais visibilidade à realidade deles ou reivindicando políticas públicas mais amplas, diversificadas e eficientes junto ao poder público. Contamos com sua ajuda na divulgação e sensibilização daqueles com quem você convive para tornarmos mais visível essa situação e para somarmos esforços no processo de qualificação das estratégias de apoio a esses meninos e meninas que de fato precisam ser prioridade no nosso país.

 


[1] O nome é fictício para preservar a identidade da adolescente.

[2] O nome é fictício para preservar a identidade do adolescente.

Autora: Debora Vigevani - Coordenadora de Advocacy do Instituto Fazendo História

Conheça os objetivos de advocacy do IFH para 2023

Conheça os objetivos de advocacy do IFH para 2023

Em 2023, seguiremos fortalecendo os dois objetivos de Advocacy do ano anterior: aumentar o acolhimento em família acolhedora no Brasil de 6,6% para 20% até 2025 e diversificar a oferta de programas, benefícios e serviços que apoiem os jovens que saíram ou sairão dos serviços de acolhimento pela maioridade. 

Vamos falar sobre adoções mal-sucedidas?

Vamos falar sobre adoções mal-sucedidas?

Quando alguém pensa em adotar uma criança, em geral, sonha com uma família feliz e completa, vivendo momentos de sorrisos e carinho. Quem sonha com um projeto de família raramente inclui nas cenas imaginadas as birras, os confrontos, e a desobediência que fazem parte da rotina de pais e filhos/as (independente se biológicos ou adotivos). Também do lado da criança e adolescente que está no acolhimento, há muita idealização e expectativas em relação a família que virá e de como será sua convivência. Leia nosso conteúdo e saiba mais.

ACOMPANHAMENTO DE ADOLESCENTES DURANTE E PÓS ACOLHIMENTO: UMA EXPERIÊNCIA NA ARGENTINA

ACOMPANHAMENTO DE ADOLESCENTES DURANTE E PÓS ACOLHIMENTO: UMA EXPERIÊNCIA NA ARGENTINA

No dia 14 de dezembro de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Acompanhamento de adolescentes durante e pós acolhimento: uma experiência na Argentina”, que contou com a participação da especialista Mariana Andrea Incarnato, psicóloga pela Universidade de Buenos Aires, mestre em "Desenho e Gestão de Políticas e Programas Sociais" e fundadora da Associação Civil Doncel e da Rede Latino-Americana de Egressos dos Serviços de Proteção, que hoje tem 12 países membros. Atualmente, Mariana é consultora de várias organizações como UNICEF e assessora o legislativo da Cidade de Buenos Aires. Para acompanhá-la, realizando a tradução simultânea, tivemos também a presença do tradutor Victor Barrionuevo.

Mariana organiza a sua fala em dois momentos. Primeiro, apresenta a Política Pública da Argentina relativa ao acompanhamento do processo de saída dos adolescentes dos serviços de acolhimento, estruturada pela Lei Federal de Acompanhamento de Egressos. Para fundamentar o seu relato, traz um vídeo que indica como essa lei, regulamentada em 2017, a partir de ampla mobilização e participação da sociedade civil, é a primeira na América Latina que reconhece o direito dos adolescentes em situação de acolhimento de serem acompanhados em sua transição para a vida adulta, sendo parte da política de cuidado. É dividida em duas etapas: a de preparação para a saída do serviço, que tem início aos 13 anos e pode se manter pelo tempo que o adolescente precisar desse suporte; e uma segunda, a partir dos 18 anos, que inclui o apoio econômico de 80% de um salário mínimo para aqueles que estiveram há pelo menos 6 meses no acolhimento, contribuindo para sua estabilidade, frente a uma situação de fragilidade inerente a esse período.

Além disso, a especialista aborda, como parte dessa política, a existência de pessoas referentes, escolhidas pelos adolescentes, os acompanhando nessa fase de transição e que, para tal, passam por um percurso de formação e de certificação pelo Estado que garanta as habilidades necessárias ao exercício dessa função. Esse processo é mediado por um instrumento denominado Plano de Trabalho para o Egresso, o qual contempla diferentes dimensões, como educação, família, identidade, emprego e moradia, e permite ao referente estruturar junto ao jovem um percurso singular de acompanhamento, indicando qual o ponto de partida e suas prioridades.

Em seguida, Mariana atenta para a particularidade do processo de aprovação dessa lei, tendo como eixo protagônico a reflexão e a mobilização de jovens que já haviam passado pela situação de acolhimento e destacando a questão de seu acompanhamento como um problema real a ser enfrentado pela sociedade. Ela aborda que hoje, cerca de 3200 jovens argentinos participam do Programa de Acompanhamento para o Egresso (PAE), com apoio econômico e emocional por parte do estado em seu processo de transição, e aponta três aspectos principais levantados pelos participantes, quando indagados sobre sua relevância: importância de um marco simbólico de continuidade após o acolhimento; existência de um apoio financeiro singular em relação aos outros que o jovem pode buscar para compor sua renda e garantir condições mínimas de estabilidade; e a possibilidade de continuar estudando a partir desse suporte, o que pode implicar em maiores oportunidades de emprego no futuro.

A especialista também problematiza as dificuldades que identifica em relação à implementação dessa política na Argentina, que passam pela lentidão dos estados na compreensão acerca do que se trata o programa, pela formação de recursos humanos qualificados e pelo fato de o jovem precisar ainda ser intermediado por um terceiro para o seu ingresso.  Ela traz como pano de fundo dessas questões a trajetória de longa institucionalização que marca o trabalho com esses adolescentes na América Latina, vinculada ao modo histórico de cuidado da infância e da adolescência que, de maneira geral, não reconhece o processo de autonomia progressiva. Frente a tudo isso, ela salienta a relevância dessa lei como um marco, intervindo na forma de olhar para a política de proteção integral e ampliando a garantia de direitos.

Em um segundo momento de sua apresentação, Mariana compartilha algumas reflexões que vem desenvolvendo ao longo desses anos em torno dos desafios em relação à tensão entre a autonomia progressiva e a proteção integral.  Ela traz como, dentro do acolhimento, os dispositivos institucionais criados para garantir a proteção das crianças e adolescentes, impregnados pelas responsabilidades legais e pela cultura, podem, muitas vezes, atentar contra a autonomia progressiva, ou seja, seu modo singular de inscrever a sua biografia e poder crescer com direitos. E organiza a exposição a partir de 10 elementos apontados como desafios aos trabalhadores na área do acolhimento e que indicam caminhos para se pensar nessas questões:

 

1) As crianças e adolescentes tomam decisões, mas não são totalmente responsáveis por elas. Muitas dessas decisões fazem parte do percurso de poder entender ou vivenciar algo pela primeira vez e a importância da proteção está justamente em garantir que eles possam errar, cometer seus equívocos.

2) A liberdade é um direito humano primordial. São nas pequenas práticas do cotidiano que as crianças e adolescentes podem exercitar as liberdades individuais, seja tomando decisões, seja tendo oportunidades para que encontrem seus gostos, interesses e possam experimentar diferentes situações. Para o adolescente, saber que tem a liberdade de ir embora, muitas vezes, é a condição para que ele fique em um serviço.

3) Autonomia progressiva é tentar, tentar e tentar outra vez na vida cotidiana. A autonomia progressiva precisa ser experienciada na prática e os espaços das instituições devem estar habilitados para tal, para que possam, por exemplo, escolher sua comida ou a roupa que vão usar.

4) Cada sujeito desenvolve a autonomia progressiva segundo seu crescimento, de modo único, e assim também serão suas transições. A autonomia está relacionada à capacidade do sujeito de tomar conta de seus atos e suas consequências, também antecipando-as, o que se dá a partir de um percurso próprio em relação à sua identidade.

5) Não existe a autonomia progressiva, existem as experiências para o exercício da autonomia progressiva. À criança e ao adolescente precisam ser dadas as oportunidades para estar no mundo, tomando decisões e se responsabilizando por elas, de acordo com os períodos de desenvolvimento, o que não pode acontecer apenas aos 17 anos, quando o adolescente está prestes a sair do serviço.

6) O acesso à informação e o uso da tecnologia são direitos. Um grande dilema que se coloca aos trabalhadores dos Serviços de Acolhimento é como cuidar dos vínculos pelas tecnologias virtuais, administrando o seu uso e informando em relação aos riscos presentes nas plataformas.

7) Olhar e observar as crianças e os adolescentes em suas trajetórias de vida significa estar disponível. O lugar de um referente estável deve se pautar a partir de três perguntas: Você precisa de ajuda? Como posso te ajudar?  Você quer que alguma outra pessoa te ajude?

8) Ter amigos e compartilhar com outras crianças e adolescentes do acolhimento, mas principalmente de fora dos serviços. É muito significativo às crianças e adolescentes construírem vínculos reais com pares e não intermediados pelo saber técnico, até para que lidem com os desafios em relação às experiências de ruptura.

9) Não supor nem dar por certo o que a criança ou o adolescente sente ou pensa sobre si mesmo, sobre você ou sobre o acolhimento. É um direito da criança e do adolescente serem perguntados sobre como avaliam o cuidado a eles ofertado, garantindo que a possibilidade de participação seja um processo de longa duração, que começa na infância, relacionado ao dar a palavra.

10) Todas as crianças e adolescentes que sofrem querem resolver seus problemas e pensam sobre isso. O desafio está na geração de ferramentas para que sejam escutados, a partir de espaços de apoio para que pensem, construam e compartilhem seus pontos de vista e, assim, participem de forma significativa e segura na reforma do sistema.

Mariana finaliza a sua apresentação reforçando que, nesse momento que vivemos, a reforma do sistema de cuidado se torna urgente e que os resultados negativos de hoje estão vinculados ao fato de as palavras das crianças e adolescentes terem ficado de fora das discussões e das decisões. E aponta como, nesse percurso de mudanças, é preciso dar espaço à reparação de danos, “reformando o sistema para frente, mas também para trás”: é necessário reconhecer o que foi feito de errado e reparar as pessoas que viveram muitas situações de injustiças e violências por conta de um sistema gerado por nós mesmos.

Após a fala de Mariana, os participantes da oficina puderam dialogar com a especialista, trazendo questões e compartilhando o que acharam e o que pensaram, a partir de suas experiências com a temática e dentro do contexto brasileiro.

Para assistir ao vídeo com a a gravação completa da oficina, clique aqui.

Sexualidade, identidade de gênero e orientação afetivo sexual

Sexualidade, identidade de gênero e orientação afetivo sexual

No dia 26 de outubro, foi realizada no Instituto Pólis, no centro da cidade de

São Paulo, a última oficina presencial de 2022 com o apoio do FUMCAD (Fundo

Municipal da Criança e do Adolescente). Com o tema Sexualidade, identidade de

gênero e orientação afetivo sexual, o evento era destinado aos atores da rede da

assistência social, como psicólogos, assistentes sociais, orientadores socioeducativos e

educadores sociais.

 PENSANDO VIOLÊNCIAS: MODOS DE PERCEBER E REFLEXÕES SOBRE A ESCUTA

PENSANDO VIOLÊNCIAS: MODOS DE PERCEBER E REFLEXÕES SOBRE A ESCUTA

No dia 22 de novembro de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Pensando violências: modos de perceber e reflexões sobre a escuta”, que contou com a participação das especialistas Beatriz Saks Hahne, psicóloga pela PUC-SP, mestre e doutoranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e atuante com juventudes em contexto de violências e em cumprimento de medidas socioeducativas, além da formação de profissionais, e Arlete Salgueiro Scodelario, psicóloga, psicanalista, especialista em Violência Doméstica pelo Lacri/IPUSP, coordenadora da Área de Formação do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV) e docente do Instituto Sedes Sapientiae.

SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO E ESCOLAS: PARCERIAS POSSÍVEIS

SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO E ESCOLAS: PARCERIAS POSSÍVEIS

No dia 18 de outubro de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Serviços de acolhimento e escolas: parcerias possíveis”, que contou com a participação da especialista Simone Santana, artista, educadora social, pedagoga, que atuou em Serviço de Acolhimento Institucional e é militante do Fórum da Criança e do Adolescente de São Mateus.

OFICINA – TRABALHO EM REDE E GARANTIA DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

OFICINA – TRABALHO EM REDE E GARANTIA DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

No dia 16 de setembro de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Trabalho em rede e garantia dos direitos da pessoa com deficiência”, que contou com a participação dos especialistas Kezia Paz, graduada em Musicoterapia pela FMU, trabalhadora do SUS e do SUAS e atuante no atendimento clínico a crianças e jovens com diferentes deficiências, e Juliana Flor Silveira, psicóloga formada pela PUC-SP, com histórico de atuação nas políticas públicas de assistência social e de saúde e que hoje atua no Capsij da Vila Maria como psicóloga e articuladora de rede de saúde mental.

Acolhimento em família acolhedora: projeto, programa ou serviço?

Acolhimento em família acolhedora: projeto, programa ou serviço?

Tem crescido no Brasil, ainda que timidamente, o tema do acolhimento familiar. Talvez você já tenha ouvido falar a respeito, mas não saiba exatamente do que se trata e ficou com muitas dúvidas. Afinal de contas, isso é um projeto, programa ou serviço? É uma iniciativa privada de algumas organizações sociais ou um serviço público? Pretendemos nesse texto te ajudar a entender um pouco mais a respeito.

O acolhimento, seja institucional ou familiar, é uma medida provisória e excepcional, ou seja, será aplicada apenas após se esgotarem as possibilidades de manutenção segura da criança e/ou do adolescente em sua família de origem, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)1 (1990). O ECA prevê ainda, em seu Art. 19 § 2º, que a permanência em medida protetiva não deverá se prolongar por mais de 18 meses, sendo prorrogada somente para atender necessidades que tenham em vista o melhor interesse da criança e/ou do adolescente. Nessas situações, o Estado tem o dever de garantir, ainda que temporariamente, cuidado e proteção integral para crianças e adolescentes por meio de serviços de acolhimento institucional ou familiar.

Os serviços de acolhimento são, portanto, públicos e compõem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (2005) e subdividem-se em:

→ Serviços de Acolhimento Institucional (abrigo e casa-lar); e

→ Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora

O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA), assim como o acolhimento institucional, é de responsabilidade do gestor da política de assistência social no município, ou seja, a Secretaria de Assistência Social ou congênere. Por ser reconhecido como política pública nacional contínua, trata-se de um SERVIÇO PÚBLICO que possibilita cuidado temporário, em casas de famílias acolhedoras, para uma criança, adolescente ou grupo de irmãos que no momento não podem permanecer na sua família de origem. Essas famílias são selecionadas e preparadas para oferecer atenção adequada para cada criança e adolescente que permanecer sob seus cuidados, proporcionando uma experiência de segurança e afeto em um momento difícil de suas vidas, até que possam retornar para sua família de origem ou, quando isso não for possível, ser encaminhada para adoção. A criança e/ou adolescente (na casa da família acolhedora) e sua família de origem são acompanhados por assistentes sociais e psicólogos do SFA durante todo o processo.

Desde a década de 1990, iniciativas pontuais de acolhimento em famílias acolhedoras já ocorriam no Brasil, motivadas por necessidades e oportunidades locais. Tais experiências organizaram-se como projetos ou programas, mas foi apenas em 2004 que a Política Nacional de Assistência Social inseriu o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, como medida protetiva, na Proteção Social Especial de Alta Complexidade.

Mais tarde, em 2009, a Lei n.º 12.010 modificou inúmeros artigos do ECA, dentre eles os Arts. 34 e 101, inserindo o acolhimento familiar no marco legal brasileiro. Com essa alteração no ECA, o SFA passou a ser reconhecido como um instituto jurídico, ganhando segurança legal para sua execução e regulamentação. Tornou-se, também, uma modalidade de acolhimento que deve ser oferecida preferencialmente ao acolhimento institucional - para as crianças e os adolescentes que necessitarem de medida protetiva no país.

 

Se é um serviço público, pode ser executado por organizações da sociedade civil?

Seguindo as orientações legais, a execução de um Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora poderá ocorrer de duas formas:

→ Execução direta: quando o SFA é executado pelo órgão gestor municipal no qual está alocada a Política de Assistência Social, que é o responsável pela organização e oferta do SFA, incluindo a contratação/designação dos profissionais, infraestrutura, manutenção e demais aspectos necessários ao seu funcionamento;

→ Execução indireta: quando o órgão gestor de assistência social faz parceria com uma Organização da Sociedade Civil e esta passa a ser responsável pela execução do SFA, ou seja  a gestão pública firma parceria para execução de atividades de sua competência e responsabilidade, mediante um Termo de Colaboração. Esse processo acontece através de um chamamento público para seleção/formalização de parceria com a OSC que melhor atender às exigências do edital. Será selecionada a OSC com as condições e capacidades técnicas necessárias para integrar a rede de atendimento municipal. Ao gestor público cabe a gestão, monitoramento e avaliação durante o período de vigência do termo.

                Embora uma Organização da Sociedade Civil, através da execução indireta, receba recursos para executar esse serviço, nem sempre o valor do convênio com o gestor público é suficiente para manter a estrutura e a qualidade do trabalho. Muitas vezes, a entidade precisa fazer campanhas, estabelecer outras parcerias e captar recursos para cobrir despesas extras que não estão previstas no orçamento público. Por este motivo, ainda se faz necessário reivindicar a ampliação dos recursos federal, estaduais e municipais para a assistência social, sobretudo para serviços de alta complexidade, como é o caso dos serviços de acolhimento.

 

Um serviço público que depende da parceria com a sociedade

Diferentemente do acolhimento institucional, o acolhimento em família acolhedora é uma modalidade que depende do envolvimento da sociedade civil. Por isso é fundamental, para a concretização do Serviço, a noção de corresponsabilidade entre o Estado e a sociedade, por meio da participação das famílias acolhedoras no cuidado e proteção das crianças e/ou adolescentes afastados temporariamente de suas famílias. Outra condição para que o SFA seja bem-sucedido é a sua articulação em rede, junto a outros serviços socioassistenciais, de saúde, educação e demais políticas públicas que se fizerem necessárias, bem como ao Sistema de Justiça. Para sua execução, é instituída uma equipe profissional - composta por coordenador e equipe técnica (assistente social e psicólogo, entre outros). Entre suas atribuições, está o processo de seleção, formação e acompanhamento das famílias acolhedoras para que possam desempenhar adequadamente sua função. A equipe também realiza o acompanhamento das crianças e/ou adolescentes acolhidos, das suas famílias de origem e/ou extensa, além do trabalho articulado e corresponsável com a rede de serviços e a comunicação permanente com o Sistema de Justiça, incluindo o envio de relatórios periódicos para o Judiciário.

 

Vale sempre lembrar: acolhimento familiar não é adoção e nem uma via para adotar

Como uma medida de proteção, o SFA deve realizar um trabalho psicossocial levando sempre em consideração o caráter excepcional e provisório do acolhimento. Enquanto a criança e/ou adolescente permanece acolhido pela família acolhedora, um intenso trabalho é desenvolvido com a família de origem, visando o seu fortalecimento e organização, com o propósito de preparação para uma reintegração familiar protegida, sempre que isso for possível e representar o melhor interesse da criança e/ou do adolescente. Considera-se família de origem os pais biológicos e outros parentes próximos (família extensa) com os quais eles mantêm vínculos de convivência e afetividade. A equipe técnica do SFA e a rede de serviços precisam, juntamente com a família, buscar alternativas que permitam o resgate da responsabilidade do cuidado e da proteção dos seus filhos. Para isso, é imprescindível acompanhar de perto e de forma sistemática todas as partes envolvidas (família de origem, família acolhedora, criança e/ou adolescente). Esse acompanhamento envolve o Sistema de Justiça - para que, com qualidade, as ações ocorram o mais rapidamente possível, evitando maiores danos às crianças e adolescentes. Após a reintegração, todo o grupo familiar continua sendo acompanhado pela rede articulada de serviços, em conjunto com o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora. Na impossibilidade de retorno à família de origem e/ou extensa, deve-se realizar o encaminhamento para uma família por adoção, garantindo assim o direito à convivência familiar e comunitária.

 

Será que esse serviço público vale mesmo a pena?

O Brasil tem uma longa história de institucionalização de crianças e adolescentes e por isso ainda estamos acostumados a imaginar que os abrigos ou as casas lares (serviços de acolhimento institucionais) são os únicos locais ou os mais indicados para cuidar de quem está temporariamente afastado de sua família, ainda mais quando se trata de meninos e meninas pobres e negros.

A história de institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil passou por enormes e significativas mudanças a partir da Constituição da República Federativa do Brasil (CF) (1988) e do ECA. Tais legislações suscitaram um novo olhar e, consequentemente, uma nova forma de operacionalização dos serviços de acolhimento institucional com vistas à sua reorganização dentro da doutrina de proteção integral. Essa modalidade de acolhimento passou, desde então, por um processo gradual de reordenamento, melhorias e transformações. Já os Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora surgiram dentro da nova doutrina e, portanto, vêm sendo instituídos e executados, desde sua implantação, de acordo com os princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e demais normativas legais.

O acolhimento em família acolhedora é uma realidade consolidada em muitos países, especialmente na Europa e na América do Norte. Nos últimos anos, diversas pesquisas têm demonstrado os benefícios do cuidado em ambiente familiar em detrimento do cuidado institucional de crianças e adolescentes que precisam da medida de proteção. Outra vantagem da modalidade de acolhimento em família acolhedor é o custo do Serviço para o município. Veja abaixo alguns desses benefícios para o público atendido e para os responsáveis pela gestão do serviço.

Benefícios do SFA para as crianças e adolescentes acolhidos:

→ Atendimento personalizado e individualizado, em ambiente familiar, permitindo a organização de uma rotina focada na criança e/ou no adolescente e não voltada ao funcionamento da instituição, com rotina coletiva;

→ Estabelecimento de vínculos afetivos mais estáveis e próximos com adultos de referência, favorecendo seu desenvolvimento de forma saudável;

→ Maior acesso à convivência comunitária e, consequentemente, uma maior possibilidade de vivenciar vínculos com os membros dessa comunidade.

Benefícios do SFA para o gestor público:

→ Menores custos se comparados aos do acolhimento institucional, pois não há despesas oriundas da oferta ininterrupta do serviço, como tarifas de água, luz, aluguel, manutenção de imóvel, pagamento permanente de um quadro profissional mais extenso (educadores, cuidadores, auxiliares, serviços gerais), entre outros custos;

→ Maior possibilidade de investimento da equipe técnica na atuação psicossocial, por meio de estudos de caso e articulação da rede de serviços no território, uma vez que há menos demandas de caráter institucional;

→ Otimização de custos com recursos humanos e demandas de gestão de pessoas, visto que no caso do SFA a equipe profissional é reduzida, por ser mais voltada às funções de coordenação e técnicas e menos àquelas operacionais e de cuidado com as crianças e adolescentes (desempenhadas pelas famílias acolhedoras);

→ Diminuição das demandas relacionadas à manutenção do cotidiano institucional: alimentação, transporte, vestuário, organização da rotina das crianças e adolescentes, entre outros.

Em 2020, o Instituto Fazendo História se juntou a atores governamentais e não governamentais, pesquisadores e especialistas no assunto para formar a "Coalizão pelo Acolhimento em Família Acolhedora", que procura unir esforços para promover a ampliação do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora no Brasil, dos atuais 4.9% para pelo menos 20% de crianças e adolescentes acolhidos nesta modalidade até 2025. Buscamos, assim, uma realidade em que a priorização de atendimentos em SFA, já prevista em Lei, torne-se prática. Se você se interessou e quer saber mais, visite o site da Coalizão familiaacolhedora.org.br e o Guia de Acolhimento Familiar que proporciona uma compreensão ampla sobre o que é o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora e suas principais características.

Bibliotecas vivas e territoriais: serviços parceiros do programa Fazendo Minha História realizam atividades lúdicas com livros no território

Bibliotecas vivas e territoriais: serviços parceiros do programa Fazendo Minha História realizam atividades lúdicas com livros no território

As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar. Os livros são parentes diretos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver o que existe para depois do que não se vê. O leitor entra com o livro para o depois do que não se vê. O leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas. (Valter Hugo Mãe. Contos de cães e maus lobos, 2015, p. 149)


O Programa Fazendo Minha História tem como objetivo proporcionar meios de expressão para que crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional possam entrar em contato, conhecer e registrar sua história de vida. Para isso,  uma das estratégias do programa, é a implementação de uma biblioteca com diversidade e qualidade em cada um dos serviços de acolhimentos parceiros.

Sabemos que a literatura tem um papel transformador para o desenvolvimento da imaginação, dos sentimentos, emoções e auxilia na construção de narrativas sobre si, sobre o  outro e sobre o mundo em que vivemos.   

Como forma de incentivo a literatura,  é uma prática comum o programa estimular que os serviços desenvolvam, de tempos em tempos, eventos literários para dar vida ao acervo literário implementado em cada casa . Por esse motivo, no 1º semestre deste ano, alguns serviços parceiros do programa Fazendo Minha História em São Paulo realizaram atividades literárias em seus territórios. As ações foram construídas com educadores/es e técnicas/os dos serviços de acolhimento e, em alguns casos, articulados com outros serviços da rede socioassistencial. 

Os encontros foram para proporcionar experiências diferentes com os livros porque acreditamos que não precisam estar necessariamente em bibliotecas para que se viva experiências literárias. Afinal, todas as pessoas envolvidas no evento, desde crianças, adolescentes e profissionais da rede são bibliotecas vivas que fazem travessias importantes, para além dos livros, fazem história no território, articulam círculos com brincadeiras, fantasias e contam histórias orais. Isso nos remete às lembranças das tradições vivas dos povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que além da tradição oral nos deixaram a diversidade do que é viver a literatura, sobretudo, na potência do encontro, da união, assim como fizeram os serviços de acolhimento parceiros.  

 Em relação aos livros, o Programa Fazendo Minha História considera de fundamental importância a circulação do acervo pelo território, permitindo que atravesse as histórias e a vida das crianças, dos adolescentes e  da comunidade que ali vivem. Quando os livros circulam pelo território de forma simples e lúdica, aproximam a literatura da população, auxiliam na formação leitora, na mobilização e formação de mediadores de leitura,  além de viabilizarem a garantia dos direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente proporcionando acesso à cultura, ao lazer e à convivência comunitária. 

Esta prática foi  pensada e proposta pelo programa e se aproxima muito do objetivo das bibliotecas comunitárias, presentes em várias regiões e lugares do país (principalmente nas periferias), em que a experiência com a literatura se constitui com o território e com a comunidade, e não somente em uma vivência individual. 

Visando ampliar esta prática, a seguir, compartilhamos algumas atividades que foram realizadas no 1º semestre deste ano, para suscitar ideias e inspirações para se trabalhar com os livros e a literatura em contexto lúdico e territorial.


SAICA São Mateus 5

A festa do livro do serviço ocorreu em um evento junto com Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij), promovendo um “Rolê Cultural’’ com várias atrações, brincadeiras, leituras e shows. Foi uma forma do SAICA  trazer a comunidade para entender o que é o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes e a contribuição do FMH (Fazendo Minha História) dentro do serviço para o público acolhido. 


Neste espaço foi explicado o que é FMH (Fazendo Minha História), suas contribuições e convidamos a comunidade para participar das atividades com os livros. 

Foram realizadas rodas de conversa sobre o brincar, sobre a importância da leitura, o resgate da história de vida e como o FMH contribui para os/as usuários/as da rede: Centro de Atenção Psicossocial infantojuvenil CAPS IJ, Serviços de Proteção Social às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência (SPVV), Enorme Abraço e Centro Especializado em Recuperação (CER). Foi um momento muito importante para as crianças, adolescentes, colaboradoras e técnicos da rede intersetorial de proteção à infância e adolescência. 

São Mateus 1

Neste serviço, a dupla gestora do FMH (técnicas/os do SAICA que acompanham a metodologia do programa) escolheu construir o evento literário por meio de uma festa no próprio SAICA. Os/as convidados/as especiais da festa eram as crianças e adolescentes acolhidos/as, seus familiares e parceiros do FMH. O evento foi organizado pela equipe técnica e educadoras(es) que propuseram um desfile-fantasia com os personagens dos livros que as crianças e adolescentes mais se identificam. Todos se preparam bastante para escolherem e produzirem as suas fantasias e a decoração da festa. Após o desfile ocorreu também uma roda de mediação de leitura. Foi uma tarde muito gostosa, de brincadeiras, imaginação e literatura!

SAICA Casa Edith Stein

Os/as técnicos/as deste serviço optaram por realizar o seu evento literário através de um piquenique com rodas de mediação de leitura.  O piquenique contou com a participação de educadores/as, das crianças e adolescentes acolhidos/as que também puderam chamar alguns amigos/as da escola. Foi um momento  de descontração, diversão e surpresas, pois estar em um ambiente externo com outras pessoas, estimulou a leitura de alguns adolescentes que queriam compartilhar as leituras que mais gostavam. Também foi uma estratégia do serviço modificar a decoração da casa (incluindo uma árvore cheia de livros e um varal de livros na entrada da casa) para mobilizar as crianças e adolescentes para a atividade literária. 

Luiza M. Escardovelli Alcântara, psicóloga e técnica do Programa Fazendo Minha História
Laís Boto, coordenadora do Programa Fazendo Minha História 



Referências Bibliográficas


Como criar uma biblioteca comunitária no território? Educação e território, novembro de 2018. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/metodologias/como-criar-uma-biblioteca-comunitaria-no-territorio/








OFICINA – ACOLHIMENTO E RELIGIÃO: VAMOS FALAR SOBRE ISSO?

OFICINA – ACOLHIMENTO E RELIGIÃO: VAMOS FALAR SOBRE ISSO?

No dia 19 de agosto de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Acolhimento e religião: vamos falar sobre isso?”, que contou com a participação dos especialistas Valeria Pássaro, pedagoga, com especializações e larga experiência na área de educação e do acolhimento, e Luiz Eduardo Berni, doutor em psicologia (USP), mestre em ciências da religião (PUC-SP) e pesquisador do Ateliê de Pesquisa Transdisciplinar (APTD).

Valéria inicia a sua apresentação abordando como é importante abrir espaços para refletir sobre temas tidos como “quase ocultos” dentro da área do acolhimento, sendo a religião um deles: algo que pouco se fala, mas que, de alguma maneira, muito se vive nos serviços. Coloca, então, que falar sobre religiosidades nos faz pensar sobre o acolhimento enquanto um espaço de inclusão e traz como questões: será que os serviços de acolhimento são, de fato, espaços nos quais é possível incluir as diferenças, também acerca das diversas crenças e fés das pessoas? Será que os profissionais desses serviços perguntam sobre a religião das crianças e adolescentes? No cotidiano, como escutamos sobre as religiões com as quais se identificam, e também de suas famílias?

A especialista discute sobre a importância de se refletir sobre o lugar da religião em nossas vidas, ao considerarmos os serviços de acolhimento como espaços coletivos nos quais a vida circula. E, nessa perspectiva, ela se remete às épocas em que as pessoas se baseavam em rituais enquanto marcadores, acompanhando o desenvolvimento humano, dando ritmo à vida, e trazendo resposta sobre perguntas que até hoje nos acompanham, também dentro dos serviços: De onde vim? Onde estou? Para onde vou? Partindo dessa ideia, apresenta que, na área do acolhimento, existem rituais importantes, como, por exemplo, na chegada de um novo membro ao serviço, marcando um novo momento no grupo. Como acolhemos esse sujeito e, dentro desse todo que ele traz, a questão da religião? Reflete como, de maneira geral, ela é pouco provocada e escutada, considerando ainda que, apesar de vivermos em um país que se diz laico, na área do acolhimento, muitas vezes, está prescrito que algumas religiões, junto às suas crenças, têm mais valor que outras.

Valéria nos provoca também a pensar na representação que circula do serviço de acolhimento como uma “grande família”, onde os adultos determinam o que pode ser bom e no que é importante as crianças e adolescentes acreditarem.Em geral, marca-se um Deus, aquele que os adultos acreditam, sem perguntarmos a eles se e qual é esse Deus que creem. Ela questiona se há a possibilidade de acreditarem em outros jeitos e outras místicas, além desse Deus que prevalece, reforçando a dificuldade do estado brasileiro, cristão, de assumir como religiosidades possíveis as de matriz africana, o que aparece também no percurso do acolhimento. Contrapõe, então, o papel dos serviços de acolhimento, que deve ser de proporcionar inclusão e cuidado, ao preconceito quanto às diferenças e aos diferentes que, muitas vezes, se observa.

 

Ela segue trazendo suas experiências e reflexões de quando assumiu a coordenação de um serviço de acolhimento em São Paulo. Conta a história de uma adolescente que tinha o desejo de frequentar o terreiro, espaço no qual se sentia bem, mas encontrou resistência na equipe da instituição para acompanhá-la, até que outros educadores aceitaram ir e participar dos rituais com ela.  Esse episódio acarretou em uma série de conversas sobre religião, religiosidades e fé entre os profissionais do serviço, e na criação do projeto “Expedições de mim”, com o intuito de ampliar a compreensão e o conhecimento de diferentes crenças a partir de encontros com sacerdotes de várias religiões e visitas a diferentes espaços pelos profissionais, crianças e adolescentes.  Estas vivências  proporcionaram muitos ganhos em termos de entendimento e acolhimento efetivo dos outros e de seus valores.

A especialista também enfatiza que, na área do acolhimento, precisamos estar firmes, no sentido de nosso propósito no processo de educação social com as crianças, adolescentes e famílias e, ao mesmo tempo, ser flexíveis, para saber que não sabemos, reconhecer que não conhecemos e expandir, buscando novos conhecimentos, inclusive com os meninos e meninas com os quais atuamos. Aborda que, se partirmos do princípio que não sabemos, e de que cabem outros saberes, histórias e movimentos dentro do acolhimento, acredita que é muito possível a inclusão, não só sobre religião, mas de muitos outros aspectos da vida, que facilitariam e tornariam o trabalho mais viável em termos de desenvolvimento de sujeitos.

Por fim, Valéria define a religião como uma forma de participação social, ao mesmo tempo que reforça como não há só um modo e as crianças, adolescentes e adultos precisam compreender e participar. Traz que não cabe aos educadores serem impositivos ou deterministas sobre o que se deve ser, caso contrário, podem desacelerar ou amputar as possibilidades de ser no mundo das crianças e adolescentes com os quais trabalham. Precisam, sim, atuar como experimentadores e questionadores acerca do que mais se tem no mundo e na vida, incluindo as várias possibilidades de religião e de religiosidades.

Luiz, ao retomar elementos da fala de Valéria, inicia colocando como, na legislação, não existe hoje religião oficial no país, mas a forma como o poder está estruturado nos leva a perceber que ele está na mão de determinados grupos religiosos, o que se materializa também na política. Para aprofundar essa ideia, ele organiza a sua reflexão apresentando elementos que contribuem para a compreensão da colonização como fundamento de uma sociedade desnivelada e excludente. Aborda como o Brasil é fundado a partir de um ato de violência, vindo do imperialismo europeu, movimento que surge na história com um ato simbólico de origem religiosa, marcado pela Primeira Missa. A religião surge sempre no conflito entre diferentes sociedades e, aqui, o cristianismo católico, tido como religião oficial, andava junto com o processo de escravidão dos indígenas. 

O especialista, em seguida, discute a união entre a Igreja e o Estado nesse período, disseminando uma educação religiosa e marcando um monarca coroado “em nome de Deus”, estrutura esta que ainda vigora no estado brasileiro, em alguma medida. E reforça como entender essa matriz é fundamental, já que é nela que reside, em parte, a exclusão que vivemos e onde encontramos a razão da violência que leva à desestruturação social, demandando, então, ações e serviços, como os de acolhimento.

Luiz passa, então, a apresentar aspectos que fundamentam as religiões, como as práticas terapêuticas, algo que ajuda as pessoas a “se enquadrarem”. Traz uma frase do antropólogo Clifford Geertz para conceituar religião como um “sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, permanentes e duradouras disposições e motivações nos seres humanos”. E aborda duas dimensões importantes postas na sociedade: quando a fé conforta e ajuda a produzir bem estar, chamamos, na Ciência da Religião, de coping positivo; já o coping negativo surge quando a religião não ajuda a estruturar a vida e leva ao mal estar, promovendo dor ao sujeito e exclusão social.

Ele também coloca como a fusão do Estado e da Igreja promoveu o surgimento de uma casta privilegiada e de muito sofrimento do povo, gerando um conflito social, que leva à Revolução Francesa e à separação entre o Estado e a Igreja. Isto dá origem ao movimento de laicidade, que determina que Deus passa a ser o do coração e não mais o do Estado: o poder religioso fica para a crença individual de cada um e, ao mesmo tempo, surge uma instância que pode explicar as relações de conhecimento desvinculadas da religião, a ciência. Esse  movimento pode fortalecer a possibilidade da diversidade religiosa ser de fato acolhida, ao privilegiar todas as matrizes de fé. Luiz finaliza retomando o percurso da reflexão que queria promover nessa oficina e pontuando como o impacto da religião na constituição das pessoas é muito pouco discutido, inclusive na formação acadêmica, o que contribui para aprofundar problemas sérios que podemos ver no estado brasileiro.

Na segunda parte do encontro, os participantes foram convidados a trazer perguntas e considerações acerca do tema, com base em suas experiências na área do acolhimento. Algumas questões que surgiram foram: como lidar com a contradição entre o que está prescrito nas Orientações Técnicas sobre as liberdades de crenças e religiões nos serviços e as práticas de instituições fundadas por organizações religiosas que direcionam como as coisas devem acontecer; e como não deixar a religião entrar dentro da Política Pública do Acolhimento Familiar quando ocorre dentro de uma família. Os especialistas, nesse momento, dialogaram sobre como esses espaços de acolhimento atuam, muitas vezes, como reflexos do que acontece na sociedade, perpassados por uma história de fazer o bem ligado às Igrejas Católicas. E reforçaram a importância de ouvir as crianças e adolescentes sobre o que acham e pensam sobre as religiões e, também, de compreender e considerar quais caminhos que as famílias de origem fazem na perspectiva das religiosidades, para que não exista tantos atravessamentos.

 

 

 

OFICINA – COMO FALAR SOBRE HISTÓRIAS DIFÍCEIS

OFICINA – COMO FALAR SOBRE HISTÓRIAS DIFÍCEIS

No dia 27 de julho de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Como falar sobre histórias difíceis”, que contou com a participação da especialista Valeria Tinoco, psicóloga, mestre e doutora pelo Programa de Psicologia Clínica da PUC-SP, autora de capítulos em livros e artigos científicos e representante da IAN Brasil (International Attachment Network).

Valéria inicia abordando como o trabalho na área do acolhimento fundamenta-se a partir de temas difíceis, sendo que ele começa quando algo dá errado, em alguma medida. Coloca como uma grande pergunta: como lidar com temas que geram em nós, e imaginamos que também vão gerar nas crianças, emoções muito complexas, normalmente associadas ao sofrimento? Ela traz que, quando poupamos as crianças dessas conversas, fazemos com as melhores das intenções, para que não enfrentem mais dificuldades, e que a proposta da oficina é conversar sobre alguns temas para vermos a que conclusão chegamos.

A especialista apresenta, então, uma história que faz parte do livro “Meu filho Pato”, organizado pelo Ilan Brenman e apoiado pelo Instituto Quatro Estações. O conto se chama “Pensamentos da bexiga murcha”, de Indigo, e trata de temas difíceis, como envelhecimento, morte e medo, de uma forma possível e leve, sem negar essas questões desafiadoras e sem fazer uso de formas distorcidas ou metáforas para poder enfrentá-las. A partir disso, ela salienta que, para abordar o assunto da oficina, gostaria de fazê-lo por meio de três eixos: 1) os temas difíceis em si; 2) a partir da perspectiva da criança ou do adolescente; 3) falar sobre o adulto que conversa com a criança.

Valéria, iniciando pelo terceiro eixo, colocando que esse tipo de conversa com as crianças requer disponibilidade da nossa parte: precisamos estar disponíveis emocionalmente, ter tempo e espaço em nosso entorno. Traz que questões, como Eu aguento?, Tenho tempo?, Estou preparada para falar sobre isso?, precisam estar em nosso radar, indicando o que devemos nos atentar para viabilizarmos estas conversas, seja cuidando de nossas próprias dores, buscando ajuda ou nos informando sobre aquilo que não temos ainda muito repertório para lidar. Reforça que quando evitamos certos assuntos visamos proteger a criança, mas será que não queremos também nos proteger? Esses temas podem gerar também nos adultos sentimentos como tristeza, medo e vergonha, associados à forma como foram criados, passando por situações onde não se podia conversar ou suas necessidades não eram reconhecidas.

Traz, então, que não é o fato de conversarmos sobre temas difíceis o responsável pelas emoções dolorosas - estas têm origem na notícia em si, que está além do que o adulto, seu portador, pode controlar. Quando não falamos de determinado assunto, não permitindo que a criança ou o adolescente conheça dados de sua história, estamos negando-lhe a oportunidade de elaborar aquela experiência. O acúmulo de vivências não elaboradas vai impactar enormemente em sua saúde mental e em seu desenvolvimento, principalmente no que se refere à formação de vínculos. Coloca como questão: como essa criança ou esse adolescente vai se vincular e confiar em alguém se vive cheio de mistérios e lacunas, e se há partes de sua história que não consegue entender? Ela enfatiza que cabe aos Serviços de Acolhimento trabalhar para preencher essas lacunas, dizendo às crianças e aos adolescentes que, apesar de difíceis, eles podem dar conta de caminhar com a sua própria história. E que, quando falamos, os preparamos não apenas para lidar com a situação daquele momento, mas também para enfrentar outros acontecimentos que necessariamente vão passar e que lhes dizem respeito.

Em seguida, a especialista apresenta elementos para pensarmos acerca dos temas difíceis em si e como estes nos despertam sentimentos que nos deixam vulneráveis, e tendemos a evitá-los. Além disso, o desconhecimento do tema e o tabu que permeia o falar de certos assuntos e que percorre gerações podem gerar mais desafios. Traz exemplos de sua experiência prática indicando uma tendência, de muitas vezes, as pessoas acreditarem que, para começar uma nova história, tudo o que diz respeito ao passado deve ficar para trás, incluindo as relações e vínculos temporários criados nas experiências de acolhimento. E reforça o quanto é importante, mesmo com o sofrimento gerado pelo rompimento inerente ao acolhimento, o desenvolvimento de vínculos de qualidade e o aprendizado de que é possível se vincular e viver uma experiência de afeto. O sofrimento em uma relação de vinculação é um sinal de saúde emocional e o problema aparece quando não sentimos nada a partir de um rompimento. Recorre à frase do especialista em luto Colin Parks, “a dor da perda é o custo do compromisso, perdemos só o que temos”, para dialogar acerca da ideia de que a única forma de não sofrer diante do afastamento é o não investimento na relação e em outros futuros possíveis para as crianças e adolescentes, o que sai do escopo do trabalho a ser desenvolvido em um Serviço de Acolhimento.

Em relação ao eixo da perspectiva da criança ou do adolescente, Valéria se refere a como não saber o que aconteceu é muito mais angustiante e torna a perda muito mais complexa de ser enfrentada, uma vez que, quando há segredos ou mistérios, ele não consegue construir uma nova forma de estar nesse mundo. Levanta como questão: o que podemos, como adultos, oferecer a essa criança ou a esse adolescente para facilitar o enfrentamento de uma situação desafiadora, a reconstrução de seu mundo e a confiança de que a vida vale a pena de ser vivida? Salienta que, certamente, a resposta não é o silêncio, o qual caminha junto com a ideia de que aquilo que vivencia não é importante.

No final de sua apresentação, a especialista expõe os fatores que considera que dificultam ainda mais a vivência de experiências difíceis pela criança ou pelo adolescente: a falta de informação sobre o que aconteceu; não ter alguém em quem confiar para poder perguntar e pedir ajuda; não ter suas necessidades reconhecidas e não poder expressar o que se sente; um entorno instável e inseguro; e a exposição contínua a outros estresses. Valéria ainda apresenta mais dois recursos que podem contribuir para a instrumentalização para o trabalho com os temas difíceis. Primeiro, traz a técnica “O mundo de...”, espaço para que se coloque todos os elementos da história de uma criança ou adolescente, concretizando qual ela é e fortalecendo a ideia de que ele é capaz de enfrentar aquilo que está em seu mundo, encontrando, assim, uma sensação de potência. Em seguida, oferece uma animação, baseada no livro “O dia em que o passarinho não cantou”.

Por fim, foi aberto um espaço para que os participantes da oficina trouxessem perguntas e considerações sobre o que foi abordado, associando às experiências na área do acolhimento. Algumas questões foram levantadas, relacionadas às práticas de não vinculação e de não poder chorar como ainda frequentes e aos comportamentos de resistência apresentados por uma criança durante o percurso de adoção. Valéria aproveita para caracterizar o luto como um processo adaptativo a uma perda significativa e, como tal, normal e esperado. E fortalece o papel dos profissionais da área de acolhimento no lugar de compreender e oferecer conforto, a partir da experiência do outro.

Assista o vídeo com a oficina completa: https://youtu.be/JRSd5s1TT6E