Viewing entries in
Oficinas

OFICINA – Acompanhamento de Grupo de Irmãos no Acolhimento

OFICINA – Acompanhamento de Grupo de Irmãos no Acolhimento

No dia 18 de outubro de 2023, o Instituto Fazendo História promoveu a terceira oficina presencial do Projeto Capacitação em Serviços de Acolhimento, apoiado pelo FUMCAD (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), no Instituto Pólis. O evento teve como foco 'Acompanhamento de grupo de irmãos no acolhimento' e foi direcionado a profissionais dos Serviços de Acolhimento, além de outros atores da Rede Socioassistencial e do Sistema de Garantia de Direitos da Cidade de São Paulo.

Os palestrantes foram Deise Fernandes do Nascimento, mestra e doutora em Educação e Saúde na Infância e Adolescência pela UNIFESP e fundadora e coordenadora Geral do Coletivo Círculo de Cultura; e Alan de Loiola Alves, doutor em Serviço Social pela PUC-RJ e PUC-SP, e especialista no Atendimento a Crianças e adolescentes vítimas de Violência Doméstica.

Para sensibilizar os convidados sobre a temática do encontro, os palestrantes realizaram uma dinâmica em que os participantes responderam o que veio à mente quando se pensa em irmãos. Ao explorarem diversas palavras associadas aos laços familiares fornecidas pelos participantes, eles estimularam a reflexão sobre os aspectos positivos, como laços afetivos e confiança, mas também sobre os desafios inerentes, como conflitos e inveja entre irmãos. Enfatizaram que ao lidar com grupos de irmãos no acolhimento, apesar das diferentes histórias, tratamos de relações próximas onde essas questões cruciais estão em jogo, incluindo a ambivalência entre o desejo de proximidade e o distanciamento entre eles

Alan inicia sua fala explorando a proteção como ponto central do debate. Ele introduz o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, destacando sua origem, os instrumentos normativos que o sustentam e sua relação com as políticas públicas. Em seguida, questiona a lógica tutelar, convidando o grupo a refletir sobre as consequências da separação de irmãos e a importância de considerar os desejos das crianças e adolescentes quanto ao convívio familiar e comunitário.

Além disso, enfatiza a necessidade de os profissionais dos serviços de acolhimento reconhecerem e articularem políticas que visem fortalecer os vínculos familiares, questionando a prática de acolhimento motivada pela pobreza, o que contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele ressalta o direito desses jovens de serem criados em ambientes com vínculos, salientando o papel dos atores do Sistema de Proteção e de Garantia de Direitos em preservar esses laços desde a chegada até o desligamento do serviço.

Alan destaca a presença dos irmãos como fonte de apoio e referência para as crianças e adolescentes em acolhimento, facilitando o enfrentamento desta condição, ressaltando a importância de reconhecer os laços afetivos existentes, mesmo diante de conflitos. Ele destaca a individualidade de cada jovem, sem perder de vista a importância dos laços e do convívio familiar. Estar com os irmãos é poder viver a convivência familiar no serviço. Separar, em contrapartida, como se faz historicamente, é negar esse direito.

Deise, por sua vez, inicia com o poema “Verbo ser”, de Carlos Drummond de Andrade, estimulando a reflexão na qual, muitas vezes, ignoramos o que a criança sente, deseja e o que ela já é, ao criar narrativas de que ela só vai ser no futuro. Ela questiona falas que naturalizam e determinam que irmãos que brigam e têm conflito não se gostam e não poderão se dar bem, apontando como, no decorrer do processo de desenvolvimento, muitas pessoas podem passar e contribuir com o fortalecimento de vínculos, sendo o serviço de acolhimento um espaço fundamental nesse sentido. A convidada, ao reconstruir com o grupo as principais ações feitas pelos serviços para preservação dos vínculos familiares e comunitários, indica como é papel deles identificar e reforçar os vínculos e afetos presentes nessas relações.

Durante sua fala, Deise destaca a necessidade de pensar estrategicamente ações que promovam relações de companheirismo entre irmãos. Ela aponta a importância de não sobrecarregar os irmãos mais velhos, evitar comparações e estimular o diálogo e atividades compartilhadas para manter a convivência familiar no serviço de acolhimento. Aborda também que é necessário enxergar essas relações a partir das histórias singulares que se apresentam, sem se deixar pautar pelos próprios relacionamentos pessoais e experiências com os irmãos por parte da equipe. 

No segundo momento da oficina, Deise e Alan apresentam uma pesquisa feita com crianças e adolescentes que viveram o acolhimento junto aos seus irmãos, baseada nas falas deles sobre essas relações. Eles incentivam o compartilhamento de experiências e perguntas dos participantes sobre esse tema, abrindo espaço para um diálogo enriquecedor.

Confira o vídeo com a oficina completa: 

clique aqui


Deise Fernandes do Nascimento é assistente social, mestra e doutora em Educação e Saúde na Infância e Adolescência pela UNIFESP, fundadora e coordenadora Geral do Coletivo Círculo de Cultura.

Alan de Loiola Alves é mestre e doutor em Serviço Social pela PUC-RJ e PUC-SP, especialista no Atendimento a Crianças e adolescentes vítimas de Violência Doméstica e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Criança e Adolescente - ênfase no Sistema de Garantia de Direitos (NCA-SGD) – Programa de Pós Graduação em Serviço Social - PUC/SP.

OFICINA –  Cuidando de quem cuida: saúde mental dos trabalhadores do serviço de acolhimento

OFICINA – Cuidando de quem cuida: saúde mental dos trabalhadores do serviço de acolhimento

No mês de dezembro, o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA), realizou a oficina "Cuidando de quem cuida: saúde mental dos trabalhadores do Serviço de Acolhimento" nas cidades de Guarulhos e Campinas. Participaram as profissionais Ana Carolina Barros Silva, psicóloga e psicanalista, com doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo e pela Université Paris VIII - Vincennes (França); e Luciana Braga, psicóloga, psicanalista e mestre em educação.

A oficina teve início com a introdução das profissionais. Ana apresentou a proposta de trabalho que realiza na "Casa de Marias" e a centralidade no atendimento a mulheres negras e periféricas, que, frequentemente, não recebem cuidados na mesma medida em que cuidam. Em seguida, foram apresentados dados estatísticos sobre causas de adoecimento no contexto de trabalho.

Os dados mostraram que o recorte de gênero e raça são fatores importantes a serem considerados. De acordo com a prática clínica, as mulheres adoecem mais que os homens (principalmente em relação à depressão), o que não exclui a possibilidade dos homens também serem afetados por tais questões, embora muitas vezes não consigam sinalizar ou verbalizar isso devido ao sistema patriarcal em que estamos inseridos.

No momento de interação, foram distribuídas folhas, lápis e canetas aos participantes, propondo que refletissem se já haviam adoecido alguma vez por conta do trabalho, e que eles escrevessem sobre suas experiências. Após a atividade, foram apresentados os impactos da Necropolítica nas Políticas de Assistência Social e de Saúde Pública no contexto brasileiro, incluindo desvalorização salarial e formas de acesso e cuidado que contribuem para o adoecimento dos trabalhadores.

Para encerrar o primeiro bloco da oficina, Ana e Luciana dividiram os participantes em grupos por sorteio, com o objetivo de realizar um Diagnóstico Institucional - identificando problemas estruturais que os grupos avaliam como geradores de impacto negativo no bem-estar físico e mental da equipe de colaboradores das instituições onde atuam.

O segundo bloco da oficina foi conduzido pela profissional Luciana, que baseou sua apresentação em saberes decoloniais, incluindo a Filosofia Ubuntu, conhecimento de nossa história como um movimento de ancestralização das relações, utilizado há séculos, e hoje considerado inovador.

Com base nas propostas de bem viver e no conceito de Ubuntu apresentados, os grupos reuniram-se novamente para pensar e planejar coletivamente ações que poderiam ser implementadas nas instituições onde atuam, com o intuito de iniciar ou ampliar políticas de bem-estar para as equipes de colaboradores.

A oficina foi finalizada com uma grande roda de conversa entre todos os participantes, onde os grupos puderam compartilhar as discussões realizadas.

Ana Carolina Barros Silva, psicóloga, psicanalista com doutoramento em Psicologia, Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo e pela Université Paris VIII - Vincennes(França), pesquisadora e consultora em saúde mental da população negra, coordenadora- geral da Casa de Marias.

Luciana Braga, psicóloga,psicanalista,e mestre em educação, atua há cerca de 20 anos na clínica com crianças e adolescentes e na formação de profissionais da educação e do acolhimento psicossocial, com foco em uma perspectiva feminista e decolonial.

Assista à oficina na íntegra: clique aqui.

OFICINA–   O Racismo no contexto do Acolhimento

OFICINA– O Racismo no contexto do Acolhimento

No mês de novembro de 2023, o Instituto Fazendo História, em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA) – SP, realizou a oficina: “O Racismo no contexto do Acolhimento" nas cidades de Guarulhos e Campinas. Foram convidadas as profissionais Maria Ribeiro, cientista social e doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC e Universidade de Paris, e Carla França Ferreira Rosa, psicóloga com atuação na área clínica e social e especialista em Saúde da Família. 

Maria Ribeiro deu início à apresentação com o conceito de marcadores sociais da diferença, convidando os presentes a refletir sobre o racismo a partir da perspectiva do nascimento das pessoas negras. Em seguida, falou sobre grupos de pessoas cêntricas; a figura do homem branco cisgênero; sistema de opressão da branquitude; racismo fenotípico; pessoas não brancas e a maneira como a sociedade contemporânea se organiza a fim de manter o sistema de privilégios.

A partir da apresentação de cenas com as quais se deparou em seus processos pessoais e de pesquisa, fez marcações importantes do que considerar ao abordar a questão racial, indicando que devemos considerar a partir da gestação. Ressalta ainda a importância do registro de informações do quesito de raça/cor para pensar as políticas públicas e especificidades da população negra. Aborda também o conceito de humanização no processo de cuidado, a categoria mãe na relação com a qual a nossa sociedade se organiza, e apresenta a lógica comunitária de estar no mundo como uma tecnologia de sobrevivência.

Na sequência, Carla dá início a sua fala, provocando os profissionais a repensar sobre suas práticas de trabalho cotidianas. Apresenta o contexto sócio-histórico, no qual aborda o papel do educador social no trabalho com criança e adolescente e sua família, e faz a marcação da importância dos profissionais se perceberem no processo, a partir do reconhecimento de si antes de olhar para o outro. Conceitos de branquitude e racismo institucional também foram discutidos, para indicar a importância de reconhecer que não somos iguais e que é a partir disso que podemos atuar de modo mais assertivo. 

No segundo momento, o grupo foi sensibilizado por meio de vídeos e convidados a compartilhar suas práticas de trabalho relativas à questão racial. A partir da partilha coletiva, as profissionais retomam alguns conceitos trazidos inicialmente e aprofundam as questões, a fim de auxiliar nas reflexões e construção. de conhecimento. 

O encontro acaba com o reconhecimento da importância de falar sobre o racismo no contexto de trabalho, uma vez que é algo estrutural e atravessa todos nós, bem como a necessidade de se pensar práticas de enfrentamento.

“Já que não podemos fazer o gesto de voltar diante do útero das pessoas que nos gestaram, nós podemos experimentar o renascimento, toda vez que estendemos nossa escuta em direção ao outro [...] a fim de garantir que crianças e adolescentes tenham recursos para fazer o enfrentamento a essas violências” 

Maria Ribeiro, 2023.

Assista à oficina na íntegra: https://youtu.be/2XQjMhOZC6w

Maria Ribeiro é cientista social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre (PUC-SP) e doutora (PUC-SP/Paris-Diderot) em Comunicação e Semiótica. Professora no Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades (FFLCH/USP), e na Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (COGEAE/PUC-SP). Redatora-geral do Simpósio Internacional de Assistência ao Parto (SIAPARTO), do grupo executivo da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC) e do Conselho do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos (Diversitas/FFLCH-USP) e  analista de formação do Instituto Amma Psique e Negritude. 

Seu relatório de estágio pós-doutoral (FFLCH-USP), intitulado "Ginecológicas: o nascimento negro para além da tragédia", foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (ProAC), na categoria “ensaio de não-ficção” e publicado em 2023.

Carla França Ferreira Rosa é psicóloga com mais de 10 anos de vivência na área clínica e social. Especialista em Saúde da Família e educadora social com ampla experiência em formações para profissionais de equipamentos sociais e instituições de ensino, (Instituto Fazendo História, Marista Escola Social, Colégio São Luís, Instituto Tomie Ohtake, EMESP Tom Jobim, Fundação Escola de Sociologia e Política de SP, SENAC Santo André entre outros). 

Desde 2022, atua como co-coordenadora de Grupos de Reflexão do Curso Teórico-Vivencial: Psicologia e Relações Raciais no Instituto Amma Psique e Negritude. É integrante da "Odô Consultoria Viva".

 

OFICINA – ACOLHIMENTO E RELIGIÃO: VAMOS FALAR SOBRE ISSO?

OFICINA – ACOLHIMENTO E RELIGIÃO: VAMOS FALAR SOBRE ISSO?

No dia 19 de agosto de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Acolhimento e religião: vamos falar sobre isso?”, que contou com a participação dos especialistas Valeria Pássaro, pedagoga, com especializações e larga experiência na área de educação e do acolhimento, e Luiz Eduardo Berni, doutor em psicologia (USP), mestre em ciências da religião (PUC-SP) e pesquisador do Ateliê de Pesquisa Transdisciplinar (APTD).

Valéria inicia a sua apresentação abordando como é importante abrir espaços para refletir sobre temas tidos como “quase ocultos” dentro da área do acolhimento, sendo a religião um deles: algo que pouco se fala, mas que, de alguma maneira, muito se vive nos serviços. Coloca, então, que falar sobre religiosidades nos faz pensar sobre o acolhimento enquanto um espaço de inclusão e traz como questões: será que os serviços de acolhimento são, de fato, espaços nos quais é possível incluir as diferenças, também acerca das diversas crenças e fés das pessoas? Será que os profissionais desses serviços perguntam sobre a religião das crianças e adolescentes? No cotidiano, como escutamos sobre as religiões com as quais se identificam, e também de suas famílias?

A especialista discute sobre a importância de se refletir sobre o lugar da religião em nossas vidas, ao considerarmos os serviços de acolhimento como espaços coletivos nos quais a vida circula. E, nessa perspectiva, ela se remete às épocas em que as pessoas se baseavam em rituais enquanto marcadores, acompanhando o desenvolvimento humano, dando ritmo à vida, e trazendo resposta sobre perguntas que até hoje nos acompanham, também dentro dos serviços: De onde vim? Onde estou? Para onde vou? Partindo dessa ideia, apresenta que, na área do acolhimento, existem rituais importantes, como, por exemplo, na chegada de um novo membro ao serviço, marcando um novo momento no grupo. Como acolhemos esse sujeito e, dentro desse todo que ele traz, a questão da religião? Reflete como, de maneira geral, ela é pouco provocada e escutada, considerando ainda que, apesar de vivermos em um país que se diz laico, na área do acolhimento, muitas vezes, está prescrito que algumas religiões, junto às suas crenças, têm mais valor que outras.

Valéria nos provoca também a pensar na representação que circula do serviço de acolhimento como uma “grande família”, onde os adultos determinam o que pode ser bom e no que é importante as crianças e adolescentes acreditarem.Em geral, marca-se um Deus, aquele que os adultos acreditam, sem perguntarmos a eles se e qual é esse Deus que creem. Ela questiona se há a possibilidade de acreditarem em outros jeitos e outras místicas, além desse Deus que prevalece, reforçando a dificuldade do estado brasileiro, cristão, de assumir como religiosidades possíveis as de matriz africana, o que aparece também no percurso do acolhimento. Contrapõe, então, o papel dos serviços de acolhimento, que deve ser de proporcionar inclusão e cuidado, ao preconceito quanto às diferenças e aos diferentes que, muitas vezes, se observa.

 

Ela segue trazendo suas experiências e reflexões de quando assumiu a coordenação de um serviço de acolhimento em São Paulo. Conta a história de uma adolescente que tinha o desejo de frequentar o terreiro, espaço no qual se sentia bem, mas encontrou resistência na equipe da instituição para acompanhá-la, até que outros educadores aceitaram ir e participar dos rituais com ela.  Esse episódio acarretou em uma série de conversas sobre religião, religiosidades e fé entre os profissionais do serviço, e na criação do projeto “Expedições de mim”, com o intuito de ampliar a compreensão e o conhecimento de diferentes crenças a partir de encontros com sacerdotes de várias religiões e visitas a diferentes espaços pelos profissionais, crianças e adolescentes.  Estas vivências  proporcionaram muitos ganhos em termos de entendimento e acolhimento efetivo dos outros e de seus valores.

A especialista também enfatiza que, na área do acolhimento, precisamos estar firmes, no sentido de nosso propósito no processo de educação social com as crianças, adolescentes e famílias e, ao mesmo tempo, ser flexíveis, para saber que não sabemos, reconhecer que não conhecemos e expandir, buscando novos conhecimentos, inclusive com os meninos e meninas com os quais atuamos. Aborda que, se partirmos do princípio que não sabemos, e de que cabem outros saberes, histórias e movimentos dentro do acolhimento, acredita que é muito possível a inclusão, não só sobre religião, mas de muitos outros aspectos da vida, que facilitariam e tornariam o trabalho mais viável em termos de desenvolvimento de sujeitos.

Por fim, Valéria define a religião como uma forma de participação social, ao mesmo tempo que reforça como não há só um modo e as crianças, adolescentes e adultos precisam compreender e participar. Traz que não cabe aos educadores serem impositivos ou deterministas sobre o que se deve ser, caso contrário, podem desacelerar ou amputar as possibilidades de ser no mundo das crianças e adolescentes com os quais trabalham. Precisam, sim, atuar como experimentadores e questionadores acerca do que mais se tem no mundo e na vida, incluindo as várias possibilidades de religião e de religiosidades.

Luiz, ao retomar elementos da fala de Valéria, inicia colocando como, na legislação, não existe hoje religião oficial no país, mas a forma como o poder está estruturado nos leva a perceber que ele está na mão de determinados grupos religiosos, o que se materializa também na política. Para aprofundar essa ideia, ele organiza a sua reflexão apresentando elementos que contribuem para a compreensão da colonização como fundamento de uma sociedade desnivelada e excludente. Aborda como o Brasil é fundado a partir de um ato de violência, vindo do imperialismo europeu, movimento que surge na história com um ato simbólico de origem religiosa, marcado pela Primeira Missa. A religião surge sempre no conflito entre diferentes sociedades e, aqui, o cristianismo católico, tido como religião oficial, andava junto com o processo de escravidão dos indígenas. 

O especialista, em seguida, discute a união entre a Igreja e o Estado nesse período, disseminando uma educação religiosa e marcando um monarca coroado “em nome de Deus”, estrutura esta que ainda vigora no estado brasileiro, em alguma medida. E reforça como entender essa matriz é fundamental, já que é nela que reside, em parte, a exclusão que vivemos e onde encontramos a razão da violência que leva à desestruturação social, demandando, então, ações e serviços, como os de acolhimento.

Luiz passa, então, a apresentar aspectos que fundamentam as religiões, como as práticas terapêuticas, algo que ajuda as pessoas a “se enquadrarem”. Traz uma frase do antropólogo Clifford Geertz para conceituar religião como um “sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, permanentes e duradouras disposições e motivações nos seres humanos”. E aborda duas dimensões importantes postas na sociedade: quando a fé conforta e ajuda a produzir bem estar, chamamos, na Ciência da Religião, de coping positivo; já o coping negativo surge quando a religião não ajuda a estruturar a vida e leva ao mal estar, promovendo dor ao sujeito e exclusão social.

Ele também coloca como a fusão do Estado e da Igreja promoveu o surgimento de uma casta privilegiada e de muito sofrimento do povo, gerando um conflito social, que leva à Revolução Francesa e à separação entre o Estado e a Igreja. Isto dá origem ao movimento de laicidade, que determina que Deus passa a ser o do coração e não mais o do Estado: o poder religioso fica para a crença individual de cada um e, ao mesmo tempo, surge uma instância que pode explicar as relações de conhecimento desvinculadas da religião, a ciência. Esse  movimento pode fortalecer a possibilidade da diversidade religiosa ser de fato acolhida, ao privilegiar todas as matrizes de fé. Luiz finaliza retomando o percurso da reflexão que queria promover nessa oficina e pontuando como o impacto da religião na constituição das pessoas é muito pouco discutido, inclusive na formação acadêmica, o que contribui para aprofundar problemas sérios que podemos ver no estado brasileiro.

Na segunda parte do encontro, os participantes foram convidados a trazer perguntas e considerações acerca do tema, com base em suas experiências na área do acolhimento. Algumas questões que surgiram foram: como lidar com a contradição entre o que está prescrito nas Orientações Técnicas sobre as liberdades de crenças e religiões nos serviços e as práticas de instituições fundadas por organizações religiosas que direcionam como as coisas devem acontecer; e como não deixar a religião entrar dentro da Política Pública do Acolhimento Familiar quando ocorre dentro de uma família. Os especialistas, nesse momento, dialogaram sobre como esses espaços de acolhimento atuam, muitas vezes, como reflexos do que acontece na sociedade, perpassados por uma história de fazer o bem ligado às Igrejas Católicas. E reforçaram a importância de ouvir as crianças e adolescentes sobre o que acham e pensam sobre as religiões e, também, de compreender e considerar quais caminhos que as famílias de origem fazem na perspectiva das religiosidades, para que não exista tantos atravessamentos.

 

 

 

OFICINA – COMO FALAR SOBRE HISTÓRIAS DIFÍCEIS

OFICINA – COMO FALAR SOBRE HISTÓRIAS DIFÍCEIS

No dia 27 de julho de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Como falar sobre histórias difíceis”, que contou com a participação da especialista Valeria Tinoco, psicóloga, mestre e doutora pelo Programa de Psicologia Clínica da PUC-SP, autora de capítulos em livros e artigos científicos e representante da IAN Brasil (International Attachment Network).

Valéria inicia abordando como o trabalho na área do acolhimento fundamenta-se a partir de temas difíceis, sendo que ele começa quando algo dá errado, em alguma medida. Coloca como uma grande pergunta: como lidar com temas que geram em nós, e imaginamos que também vão gerar nas crianças, emoções muito complexas, normalmente associadas ao sofrimento? Ela traz que, quando poupamos as crianças dessas conversas, fazemos com as melhores das intenções, para que não enfrentem mais dificuldades, e que a proposta da oficina é conversar sobre alguns temas para vermos a que conclusão chegamos.

A especialista apresenta, então, uma história que faz parte do livro “Meu filho Pato”, organizado pelo Ilan Brenman e apoiado pelo Instituto Quatro Estações. O conto se chama “Pensamentos da bexiga murcha”, de Indigo, e trata de temas difíceis, como envelhecimento, morte e medo, de uma forma possível e leve, sem negar essas questões desafiadoras e sem fazer uso de formas distorcidas ou metáforas para poder enfrentá-las. A partir disso, ela salienta que, para abordar o assunto da oficina, gostaria de fazê-lo por meio de três eixos: 1) os temas difíceis em si; 2) a partir da perspectiva da criança ou do adolescente; 3) falar sobre o adulto que conversa com a criança.

Valéria, iniciando pelo terceiro eixo, colocando que esse tipo de conversa com as crianças requer disponibilidade da nossa parte: precisamos estar disponíveis emocionalmente, ter tempo e espaço em nosso entorno. Traz que questões, como Eu aguento?, Tenho tempo?, Estou preparada para falar sobre isso?, precisam estar em nosso radar, indicando o que devemos nos atentar para viabilizarmos estas conversas, seja cuidando de nossas próprias dores, buscando ajuda ou nos informando sobre aquilo que não temos ainda muito repertório para lidar. Reforça que quando evitamos certos assuntos visamos proteger a criança, mas será que não queremos também nos proteger? Esses temas podem gerar também nos adultos sentimentos como tristeza, medo e vergonha, associados à forma como foram criados, passando por situações onde não se podia conversar ou suas necessidades não eram reconhecidas.

Traz, então, que não é o fato de conversarmos sobre temas difíceis o responsável pelas emoções dolorosas - estas têm origem na notícia em si, que está além do que o adulto, seu portador, pode controlar. Quando não falamos de determinado assunto, não permitindo que a criança ou o adolescente conheça dados de sua história, estamos negando-lhe a oportunidade de elaborar aquela experiência. O acúmulo de vivências não elaboradas vai impactar enormemente em sua saúde mental e em seu desenvolvimento, principalmente no que se refere à formação de vínculos. Coloca como questão: como essa criança ou esse adolescente vai se vincular e confiar em alguém se vive cheio de mistérios e lacunas, e se há partes de sua história que não consegue entender? Ela enfatiza que cabe aos Serviços de Acolhimento trabalhar para preencher essas lacunas, dizendo às crianças e aos adolescentes que, apesar de difíceis, eles podem dar conta de caminhar com a sua própria história. E que, quando falamos, os preparamos não apenas para lidar com a situação daquele momento, mas também para enfrentar outros acontecimentos que necessariamente vão passar e que lhes dizem respeito.

Em seguida, a especialista apresenta elementos para pensarmos acerca dos temas difíceis em si e como estes nos despertam sentimentos que nos deixam vulneráveis, e tendemos a evitá-los. Além disso, o desconhecimento do tema e o tabu que permeia o falar de certos assuntos e que percorre gerações podem gerar mais desafios. Traz exemplos de sua experiência prática indicando uma tendência, de muitas vezes, as pessoas acreditarem que, para começar uma nova história, tudo o que diz respeito ao passado deve ficar para trás, incluindo as relações e vínculos temporários criados nas experiências de acolhimento. E reforça o quanto é importante, mesmo com o sofrimento gerado pelo rompimento inerente ao acolhimento, o desenvolvimento de vínculos de qualidade e o aprendizado de que é possível se vincular e viver uma experiência de afeto. O sofrimento em uma relação de vinculação é um sinal de saúde emocional e o problema aparece quando não sentimos nada a partir de um rompimento. Recorre à frase do especialista em luto Colin Parks, “a dor da perda é o custo do compromisso, perdemos só o que temos”, para dialogar acerca da ideia de que a única forma de não sofrer diante do afastamento é o não investimento na relação e em outros futuros possíveis para as crianças e adolescentes, o que sai do escopo do trabalho a ser desenvolvido em um Serviço de Acolhimento.

Em relação ao eixo da perspectiva da criança ou do adolescente, Valéria se refere a como não saber o que aconteceu é muito mais angustiante e torna a perda muito mais complexa de ser enfrentada, uma vez que, quando há segredos ou mistérios, ele não consegue construir uma nova forma de estar nesse mundo. Levanta como questão: o que podemos, como adultos, oferecer a essa criança ou a esse adolescente para facilitar o enfrentamento de uma situação desafiadora, a reconstrução de seu mundo e a confiança de que a vida vale a pena de ser vivida? Salienta que, certamente, a resposta não é o silêncio, o qual caminha junto com a ideia de que aquilo que vivencia não é importante.

No final de sua apresentação, a especialista expõe os fatores que considera que dificultam ainda mais a vivência de experiências difíceis pela criança ou pelo adolescente: a falta de informação sobre o que aconteceu; não ter alguém em quem confiar para poder perguntar e pedir ajuda; não ter suas necessidades reconhecidas e não poder expressar o que se sente; um entorno instável e inseguro; e a exposição contínua a outros estresses. Valéria ainda apresenta mais dois recursos que podem contribuir para a instrumentalização para o trabalho com os temas difíceis. Primeiro, traz a técnica “O mundo de...”, espaço para que se coloque todos os elementos da história de uma criança ou adolescente, concretizando qual ela é e fortalecendo a ideia de que ele é capaz de enfrentar aquilo que está em seu mundo, encontrando, assim, uma sensação de potência. Em seguida, oferece uma animação, baseada no livro “O dia em que o passarinho não cantou”.

Por fim, foi aberto um espaço para que os participantes da oficina trouxessem perguntas e considerações sobre o que foi abordado, associando às experiências na área do acolhimento. Algumas questões foram levantadas, relacionadas às práticas de não vinculação e de não poder chorar como ainda frequentes e aos comportamentos de resistência apresentados por uma criança durante o percurso de adoção. Valéria aproveita para caracterizar o luto como um processo adaptativo a uma perda significativa e, como tal, normal e esperado. E fortalece o papel dos profissionais da área de acolhimento no lugar de compreender e oferecer conforto, a partir da experiência do outro.

Assista o vídeo com a oficina completa: https://youtu.be/JRSd5s1TT6E

OFICINA – SEXUALIDADE E DESENVOLVIMENTO

OFICINA – SEXUALIDADE E DESENVOLVIMENTO

No dia 14 de junho de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “Sexualidade e Desenvolvimento”, que contou com a participação das especialistas Camila Guastaferro, psicóloga, mestre em Ciências pelo Programa de Educação e Saúde na Infância e Adolescência (UNIFESP) e diretora científica do Instituto Kaplan, e  Carla Veríssimo, psicóloga, psicanalista, mestre em psicologia social pela PUC/SP e que trabalha com serviços de acolhimento desde 1998,  como técnica, coordenadora e analista institucional.

Camila inicia sua apresentação trazendo que, quando pensamos em sexualidade, falamos de um aspecto central do ser humano, de uma energia que motiva para a vida e que se conecta a como nos sentimos, percebemos e a como nosso corpo reage e sente prazer. Marca uma diferença no entendimento apenas como um fator biológico, ampliando para algo que começa a se inscrever na nossa existência conforme nos constituímos como sujeito e formamos os primeiros vínculos, envolvendo nossos pensamentos, fantasias, desejos e crenças. Aborda, assim, como os conceitos que rodeiam a compreensão do que é sexualidade vão se transformando, já que são históricos e culturais, e que ela participa de formas diferentes em cada fase de nossa vida.

A partir daí, Camila traça um percurso do desenvolvimento da sexualidade, desde a primeira infância e abrangendo como ela vai permeando de diferentes formas nossas experiências no mundo e as mudanças que vamos passando. Traz que, ao contrário do senso comum, que remete à relação sexual e à masturbação, a sexualidade começa quando nascemos e ainda somos completamente dependentes do outro, passando a nos relacionar com o nosso corpo e a capturar as sensações que o mundo nos promove. Nesse período, de 0 a 1 ano, nossas experiências de prazer estão mais centradas na sobrevivência e localizadas na região oral, associadas a como vamos entendendo esse vínculo que vai se constituindo com nossos cuidadores, o qual pode contribuir, ou não, para construção de uma base de segurança e confiança em si e no outro.

Em seguida, a especialista coloca que, na fase de 1 a 2 anos, de uma relação de dependência total, a criança passa para uma posição de dependência relativa, quando entra o controle motor, ela começa a descobrir os limites corporais e a apontar e falar de seus desejos. Segue descobrindo o mundo a partir da sensorialidade e da experimentação, mas ampliam-se as formas de sentir prazer, relacionadas à incorporação das regras sociais, à descoberta do que é ela e o que é o outro e do que é reconhecido e o que é negado. Surge uma angústia relacionada à separação de suas figuras constantes, quando elas existem, e que depende de como ela pode transitar nos espaços de descobertas e de caminhar para sua autonomia.

Ao falar do período de 3 a 6 anos, Camila apresenta uma criança que já domina a fala, observa, expressa ideias e vai descobrindo diferentes sensações de prazer. É uma fase marcada pelo aumento da capacidade de realização, onde ela começa a conhecer os papéis sexuais e de gênero, as interdições e a ter curiosidade na exploração do corpo do outro. Surge também a culpa relacionada à sexualidade, quando percebe que se tocar uma certa região de seu corpo, se produz uma sensação gostosa (falamos aqui de manipulação, não ainda de masturbação, a qual se relaciona à adolescência e que envolve uma intenção erótica). A auto-permissão assume um lugar fundamental, como condição para que, em futuros encontros amorosos, as pessoas consigam se permitir e se apropriar de como o corpo sente prazer.

Dos 7 aos 10 anos, a especialista destaca uma maior capacidade para perceber o mundo, conhecendo-o e explorando-o, momento fundamental para o desenvolvimento da sexualidade e de inscrição de uma valorização de si, do que consegue fazer e de qual o seu papel nos grupos que faz parte. É quando se entra em contato com como o corpo funciona e amplia-se sua curiosidade, sendo muito importante acompanhar a criança, a partir das informações que ela traz, do que sabe e até onde vai. Reforça como uma sexualidade cheia de tabus pode impedir que ela se aproprie de si mesma e tenha segurança em poder sentir prazer com seu corpo, de acordo com sua faixa etária.

Por fim, Camila apresenta a fase da adolescência, abrangendo como a puberdade faz parte desse período, associada às mudanças no corpo, que atinge a capacidade reprodutiva e sexual. É quando o adolescente vai absorvendo todas as transformações que vão ocorrendo, permeadas por bastante sofrimento, reconhecendo como se apropria e se há identificação ou estranhamento em relação a seu corpo. Percebe mudanças em suas relações, aparecem novos sentimentos e sensações e ampliam-se as possibilidades de questionar e entrar em contato com uma multiplicidade de prazeres, interesses e comportamentos no exercício de sua sexualidade. Ela finaliza enfatizando como é essencial um espaço no qual o adolescente possa falar desse corpo, de como o sente e o percebe, incorporando conceitos de liberdade e singularidades.

Carla, por sua vez, se utiliza da fala de Camila como pano de fundo, para abordar aspectos acerca da atuação dos profissionais nos serviços de acolhimento no que diz respeito à sexualidade. Inicia trazendo como é complexo esse trabalho, no qual todos devem se enxergar como educadores, e chama para a responsabilidade de garantir o caráter protetivo e de promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Destaca como fundamental a consideração sobre qual o espaço social que estamos inseridos e o que ele traz de história, que reproduzimos em nossas práticas institucionais.

A segunda especialista reforça a importância do papel do educador como um influenciador na vida dessas crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade e apresenta alguns dispositivos centrais para nortear essa prática. O primeiro deles é o Projeto Político Pedagógico do Serviço (PPP), o qual precisa ser cuidadosamente construído e revisado, para se pensar quais são os princípios e diretrizes que conduzirão o trabalho e como temas como identidade, individualidade e diversidade cultural e religiosa serão tratados. Ela indica que é por meio desse projeto, que deve incluir o olhar de todos os atores envolvidos no serviço, que compreenderemos se há e qual a abertura para se conversar a respeito da sexualidade, como olhar para cada criança e adolescente e, a partir daí, qual a responsabilidade, enquanto educador, nesse percurso.

Carla também discorre acerca do Plano Individual de Atendimento (PIA), como um instrumento que permite pensar no projeto que aquele serviço tem para desenvolver com cada uma das crianças e adolescentes. Aborda como, para sua elaboração, se torna essencial uma conversa prévia entre toda a equipe, considerando diferentes olhares e informações sobre aquela criança ou adolescente e, nessa perspectiva, a participação dos educadores é estratégica, já que são eles que ficam mais tempo com o grupo, cuidando, escutando as angústias e lidando com os conflitos que surgem, de forma mais imediata. Atenta para a importância da inclusão das famílias, assim como de outras instituições e da própria comunidade, para que se compreenda sua realidade, qual a sua história de vida e a razão da medida de acolhimento.

A partir daí, Carla direciona ao que isso tem a ver com a temática da sexualidade. Aponta como é importante compreender o desenvolvimento individual e como esse aspecto se opera em cada um, assim como quais foram os estímulos que essa criança recebeu e qual é a ideia de sexualidade que a permeia. Em relação às situações delicadas que podem surgir nos serviços, traz como é importante os espaços de troca e de interlocução com toda a equipe e questiona até onde vão as possibilidades e limites de atuação. Apresenta uma situação de erotização precoce, quando ocorre uma estimulação inadequada, antecedendo a fase de desenvolvimento que a criança está, para pensarmos nos desafios que se impõe sobre como entender o caso e agir. Outra situação que surge é de quando há um interesse de um adolescente por um educador: como cuidar para que não atuemos apenas de modo repressivo? Como consideramos o momento da adolescência e como é preciso dar espaço para que tragam questões que os angustiam e para que desenvolvam sua sexualidade de modo tranquilo?

Ela também atenta para o desafio de, nos Serviços de acolhimento, encarar os desconfortos frente às questões que “borbulham”, principalmente com os adolescentes, pensando em como se conduz e qual o reflexo dessas ações para o futuro deles. Trabalhamos com silenciamentos, onde tudo é proibido e nada pode ser dito? Como lidar com o segredo que nos contam? E com atitudes que são permitidas nas casas de suas famílias, mas nos serviços não? Como é tratada a diferença de gênero? E a pouca privacidade que se tem dentro do serviço?  Coloca como todos esses aspectos são bastante complicados e precisam de espaço para serem tratados de forma humanizada, para que não se caia em uma exigência de rigor na conduta, além do que pode ser posto em prática por um sujeito saudável.

Carla finaliza problematizando o lugar desse educador, que precisa se abrir para, de fato, ser tocado e rever suas próprias posições, princípios e o que pode ou não ser permitido, a partir do que se apresenta no contato com o outro. Sem essa abertura, não conseguimos oferecer condições que contribuam para o desenvolvimento intelectual, emocional e social dessas crianças e adolescentes, para que sejam capazes de enfrentar o mundo.

Por fim, foi aberto um diálogo com os participantes, para que trouxessem perguntas e considerações sobre o que foi abordado, associando às suas experiências na área do acolhimento. Surgiram alguns questionamentos acerca de como conversar sobre o tema da sexualidade e escolher os materiais a serem utilizados com as crianças e adolescentes, de acordo com sua idade. Nesse momento, as especialistas destacam a importância de reconhecer a capacidade cognitiva de cada um e como é possível trabalhar sobre um mesmo aspecto, como é o caso do consentimento, de formas diferentes, respeitando cada fase e incluindo mais repertórios à medida que eles se desenvolvem. Abordam também como fundamental trabalhar processualmente, não interditando, mas trazendo limites e regras que indiquem a relação com a sexualidade como algo privado, e nomeando diferenças, que possibilitem às crianças e aos adolescentes estabelecer um lugar de segurança em relação ao seu corpo.

A oficina está disponível na íntegra no canal do YouTube do Instituto Fazendo História:

 

 

Oficina Questões Étnicos-Raciais: como educar para uma sociedade mais igualitária e sem preconceitos?

Oficina Questões Étnicos-Raciais: como educar para uma sociedade mais igualitária e sem preconceitos?

No dia 29 de Junho de 2022 o Instituto Fazendo História realizou a oficina presencial com o tema: “Questões Étnicos-Raciais: como educar para uma sociedade mais igualitária e sem preconceitos? ”, que contou com a participação dos especialistas: Paulo Bueno, psicanalista, psicólogo (PUC-SP), mestre e doutor em Psicologia Social (PUC-SP),  supervisor clínico, docente do Instituto Gerar de Psicanálise e pesquisador do Núcleo Psicanálise e Sociedade (PUC-SP), integrou o Grupo Balaio de Acompanhamento Terapêutico (Sedes Sapientae) e, Carla França, psicóloga com atuação clínica e social, especialista em Saúde da Família e psicanalista em formação pelo Núcleo de Pesquisas Psicanalíticas (NPP). Recentemente foi colaboradora do Instituto Fazendo História no programa de Formação. Atualmente é colaboradora do Instituto AMMA Psique e Negritude, possuindo como eixo de trabalho a Psicologia e as relações Étnico-Raciais.

Paulo inicia sua fala perguntando: “O que é uma criança?” e fez derivar dela outras perguntas: “O que uma criança faz?”, “Onde está essa criança?”. Contextualiza que em nossa sociedade o que difere uma criança de outros sujeitos são as atividades que ela desenvolve, e uma dessas atividades é o brincar. O brinquedo é uma tripla ponte, que vai permitir a ponte entre o instante imediato e o futuro, uma ponte que vai permitir uma ligação entre a realidade e o mundo imaginário ou da fantasia, e por fim, essa ponte liga a criança ao outro, seja este outro uma criança ou um adulto.

Quais são as possibilidades para que essa criança possa embarcar no mundo das fantasias e se desligar, diante das durezas e das cruezas do momento imediato, e principalmente, quais são as condições que vão possibilitar a ligação da criança com o outro? O especialista cita uma hipótese de que a colonização no Brasil e no Ocidente, nesse mundo que é determinado colonialmente existe um projeto e que visa atualizar a travessia do Atlântico, citando que os navios negreiros faziam esse transporte do continente africano para o continente americano, e as condições dessas travessias eram as piores possíveis, de completa desumanização, sem a mínima garantia de cuidados sanitários. Os africanos eram amontoados e muitos morriam pelo caminho. As crianças recebiam os mesmos tratamentos que os adultos, sendo que não existia distinção entre ser criança e ser adulto. Um dos braços do projeto colonial que vivemos tende a reatualizar esse tipo de travessia. Então, para que se faça uma travessia para o futuro e em direção ao outro, submete-se às piores condições possíveis. Portanto, a pergunta que nos foi colocada na perspectiva da Descolonização é: “Como fazer para descolonizar essa ponte? ” E essas perguntas vão nos direcionando para alguma resposta que contribua para pensar em alternativas possíveis

Segundo Paulo, uma possibilidade é pensarmos nos brinquedos que nos rodeiam (nos consultórios, nas UBS, nas escolas, na brinquedoteca, nos CAPS, nos Serviços de Acolhimento). Qual a raça dessas bonecas e bonecos que estão presentes nessas instituições? Pensar nessa resposta é compreender que se em sua maioria essas bonecas e bonecos são brancos. Estamos assim transmitindo, quando não há uma diversidade nesses brinquedos, quando não há uma boneca preta, que aquele ou aquela que é digna desses cuidados são justamente aqueles que exclusivamente fazem parte de um determinado grupo racial. Com relação aos personagens de livros, nós fazemos uma avaliação ou uma análise a partir do conjunto de obras, de literatura infantil e juvenil. Quais são os livros existentes em nossas organizações? Não basta ter um livro, quais as possibilidades de oferta? Todas essas são questões educacionais, técnicas, de gestão, que vão nos ajudar a pensar na descolonização dessa ponte.

Se o brinquedo é uma ponte entre a criança e o outro, o que é transmitido quando todos os modelos, seja na literatura, seja nos livros, seja na natureza das brincadeiras, onde todos os modelos são brancos? Como se dá uma brincadeira mesmo sem o suporte do brinquedo, seja em uma brincadeira de faz de conta, como se dá a distribuição de gênero e raça?

Paulo cita a hierarquização das profissões, e cabe ao adulto observar nas brincadeiras o porquê dos meninos serem o médico e as meninas estarem no lugar de assistente, cabe a nós observar o porquê o menino negro não é o príncipe e a menina negra não é a princesa, qual o lugar que cada um ocupa, qual o lugar que lhes é reservado? Por que eles não podem fazer uma circulação de papéis? Importante que o adulto não direcione, mas intervenha em alguns momentos. Neste momento, fazemos escolhas técnicas e escolhas políticas e para que essas escolhas aconteçam, há que se ter um olhar muito apurado, levantar essas interrogações continuamente quando observa-se tais brincadeiras. Não adianta olhar para a criança quando ela está aprontando, quando ela está barbarizando na escola, mas olhar para o contexto todo. Por que é destinado para o negro o papel de vilão? Como intervimos para que circule esse papel? Como não cristalizar esses papéis fazendo o recorte de raça e gênero? Pensando inclusive nessa questão de gênero, porque o menino não pode ser a princesa? Esse foi o primeiro ponto: “o que faz uma criança? ”

O segundo ponto é: “Onde está uma criança?” Pensando na sociedade ocidental, em nosso imaginário o lugar da criança é a escola. O ECA vai colocar como um direito, a criança estar na escola, uma obrigação dos guardiões e do Estado, oferecer e garantir a permanência da criança na escola durante os anos de sua formação e desenvolvimento.

Paulo cita alguns autores, fala da importância em referenciar quem nos inspira, cita a tese do Frantz Fanon, psiquiatra radicado na Argélia - “que uma criança negra típica, em uma família negra típica, é uma criança atípica em seu primeiro contato social”. Esse é o contato social mais sistemático que uma criança tem, a escola. Então, por que há essa desproporção entre a família e a sociedade? Porque que essa criança, onde tudo vai bem dentro de casa, começa a se sentir completamente deslocada em um mundo social que lhe é apresentado a partir da escola? Interessante como tal fato também ocorre em casos de adoção: crianças negras sendo adotadas por famílias brancas que conseguem fornecer os cuidados necessários, carinho, cuidado, amor e valorização dessa criança negra, mas o choque é o mesmo quando ele encontra um social mais amplo. Todas as características que são valorizadas da porta para dentro são motivo de exclusão da porta para fora.

O especialista também cita outra autora: Neusa Santos Souza, psicanalista e psiquiatra baiana, que afirma que a criança já está em uma família atípica (família negra), que carrega e transmite as marcas do racismo. Essa desproporção entre família e sociedade se mantém, e se torna ainda mais complexo, pois no interior dessa família já há uma desproporção no que se refere a comparação do que se idealiza como uma família na nossa sociedade e o que essa família representa efetivamente.

Da mesma forma que essa criança negra é uma não criança, essa família negra é uma não família. Essa sutileza que a autora traz é muito importante quando se trabalha com famílias na ponta, como no caso dos serviços de acolhimento, seja ele institucional ou familiar. Estamos falando de sucessivos fracassos por parte do Estado. Trabalhamos com o ponto mais frágil de uma cadeia de acontecimentos e fracassos. Essa ponta mais frágil é a criança e sua família e entendermos que essa inadequação está colocada por base, é absolutamente fundamental.

Paulo traz uma reflexão sobre um tema bastante discutido ultimamente que é a noção de abandono, ou seja, todo ato de entrega de uma criança é interpretado como abandono e como isso pode ser bastante problemático. Ele traz um exemplo do Rei Salomão onde em uma situação há uma criança, duas mulheres que se dizem mãe dessa criança, e a decisão que o rei toma é dividir a criança e dar metade para cada mulher. Uma das mulheres se pronuncia, abre mão do filho para que o rei não faça isso e ele entende que, por tal ato, ela seria a mãe, porque só uma mãe entregaria o próprio filho para outra pessoa, a fim de poupar sua vida. A entrega da criança muitas vezes é o ato de maternidade. Quando você vê seu filho ou sua filha prestes a ser cortado de alguma maneira, quando não cortado literalmente - pode ser uma ferida subjetiva muito profunda, a fome, a pobreza, e o quanto ainda é comum a “adoção à brasileira” (ilegal), a família pobre que entrega seu filho para uma família rica, o que significa essa entrega?

Neste sentido, não podemos interpretar toda a entrega de uma criança como abandono, pelo contrário, este é o gesto possível naquele momento para aquela mãe, para aquela família que logo no início de “ser” família, é interpretada, julgada como uma família inadequada. É inadequada por não possuir um emprego estável, e o emprego que possuem não é socialmente valorizado. Cita o livro da Carolina Maria de Jesus, pois refere situações como esta, relato de uma mulher que tem uma família bastante inadequada, mas que luta com todas as suas forças com muito amor para dar sustentação a essa família. O quanto que a mulher negra fica à frente da família, e vai mostrando a luta diária dela contra a fome, e como podemos pensar essa família como o resultado de um abandono sistemático, um abandono que tem o atravessamento do racismo.

Paulo cita uma pesquisa da Fabiana de Oliveira e Anete Abramowicz, onde se baseiam em um conceito de um historiador que vai determinar que o início da infância no ocidente se dá pelo sentimento particular que ele nomeou de “paparicação”, no sentido de paparicar, mimar, pegar no colo, dar beijo, ver essa criança como um ser especial, algo que não acontecia antes do século XVII. Nesta pesquisa de campo, elas observaram que existe uma diferenciação na distribuição de afeto entre crianças brancas e negras. As crianças brancas são mais paparicadas. Quais são as marcas que ficam? Marcas constitutivas e que chegam na vida adulta. Então, a pergunta que fica é,  se o lugar da criança é a escola, precisamos reafirmar que aquele que está em situação de acolhimento institucional ou familiar, também é uma criança. E a tendência daquele que recebe essa marca de “o acolhido”, mesmo dentro das organizações cotidianas da escola, é que seja visto como a “não criança”, e a não criança pode ser substituída por vários nomes – “baderneiro”, “abandonado”, “o órfão”. Existem ofensas diretas de crianças e adolescentes que apontam esses pronomes.

Paulo questiona - e nos SAICA’s, como se dá a distribuição de cuidados e afetos? Quem é pego no colo e quem não é? Quem é contido no sentido de dar continência ao choro e quem não é? Quem é elogiado? Quem é a princesa?

Ademais, a última pergunta: o que é uma criança? Podemos definir criança como uma categoria socialmente construída para nomear os anos iniciais do desenvolvimento do ser humano, e nela se encontra uma primeira barreira. Desde que inventou-se o termo, a partir do momento que os europeus chegam em outro continentes e não encontram ali “espelhos”, eles inventam a raça não apenas para nomear uma diferença, mas para hierarquizar essas diferenças, dentro de um projeto político de dominação que veio dar origem posteriormente ao capitalismo.

Quando se inventa o nome negro, ele é inventando como a negação do humano. E nesta definição do que é criança, excluímos as crianças negras, pois o que se vê ainda é que os negros estão fora do campo do humano para muitas representações e muitos lugares. E se negros não são humanos, os filhos de negros também não são humanos. Paulo cita uma cantiga na qual ele conheceu na vida adulta, que ele nomeia como catastrófica:

“plantei uma sementinha no meu quintal e nasceu uma negrinha de avental,

dança neguinha,

eu não sei dançar, 

pega o chicote que ela dança já.”

 

É uma cantiga transmitida em roda por muitos adultos para grupos de crianças brancas e negras até os dias de hoje, e não é algo que se encontra nos livros de história, mas no Youtube existem várias, e é da ordem do horror a questão da desumanização. Cita uma educadora importante  Benilda Brito, precisamos reafirmar a todo momento quando pensamos no campo de resolução de conflitos entre as crianças, que não podemos traduzir todos os conflitos como bullying. Destaca que há uma diferença entre o racismo e o bullying, sendo que o bullying tende a inferiorização do outro, enquanto o racismo mais radicalmente tende a desumanização das crianças negras. O racismo é transgeracional, se eu sou negro e fui chamado de macaco, meus pais foram, meus avós foram, e meu filho se ainda não foi, será, e o filho dele também, diferente do bullying. O especialista traz um caso, e encerra dizendo que é preciso produzir infâncias negras, que perderam o direito de brincar, e uma de nossas lutas é a defesa inegociável do direito à infância de nossas crianças negras.

 

Em seguida, Carla dá sequência trazendo a proposta de uma imersão na qual ela nomeou de “poética” sócio-histórica, apresentando o vídeo da Conceição Evaristo  “Vozes Mulheres”, com o objetivo de fazer uma reflexão sobre as gerações, pois neste poema a autora vai falando sobre a avó, bisavó, da mãe, dela e da filha, e nos situa na história. Em sua apresentação Carla cita algumas autoras, tais como Carolina Maria de Jesus, traz alguns trechos do livro – Quarto de Despejo, e contextualiza a importância de entendermos que criança é essa, que família é essa, quais os arranjos possíveis para então chegarmos nas crianças e adolescentes que atendemos.

Carla também apresentou sua linha da vida e explanou sobre a importância de saber a história da instituição ao se iniciar um processo de formação. A especialista situa todos sobre alguns marcos históricos para se pensar o preto no Brasil, cita a Lei do ventre livre, 1871 - a criança estava livre, e os pais dessa criança estavam livres? A ideia que se tinha de família naquela época era possível pensar isso, neste processo escravizatório? Depois, temos a Lei Áurea 1888. Carla foi costurando a história de sua família com os marcos históricos no Brasil. E fala da importância das escritas de Carolina de Jesus a partir de seu livro, o que ela fala se vive, e os atendidos vão nos contando sobre uma realidade muito próximas, e quão fundamental é ter essa escritora, essa mulher preta para contar sua realidade, que é a realidade de muitos - ela é representante de muitos.

Carla destaca a importância de se colocar dentro do processo, porque lidamos com essa realidade o tempo todo, seja no campo privado ou no campo profissional, estamos dentro desse contexto sócio-histórico. O sujeito que eu atendo não está solto, ele pertence a um lugar, está inserido em um território, tem uma referência de família, ou seja, existe uma história que o antecede e que o sucede. Continuando, a especialista traz dados retirados do IPEA datado de 2003, sendo que 63% das crianças e adolescentes acolhidos no Brasil são negras, por isso é essencial falar sobre o tema das questões étnicos-raciais para os profissionais que atuam em acolhimento - não dá para olhar para essa criança sem considerar esses dados. Também menciona sobre os motivos de acolhimento, sendo eles: pobreza, abandono, violência doméstica/maus tratos, se faz importante saber quem é essa criança, como ela foi para o abrigo?

Carla continua explanando sobre o papel do educador, falando sobre o que significa ser educador, pensando a partir das Orientações Técnicas, documento que dá diretriz ao trabalho de um serviço de acolhimento e considera que todos os profissionais que atuam nos serviços são educadores. E para convocar os participantes para esta reflexão, ela trouxe alguns nomes que foram ou ainda são usados para o profissional educador, que são: pajens, monitores (pensando na perspectiva desse lugar de monitorar, vigiar, conter), atendentes, cuidadores, instrutores (um termo mais atualizado e tinha a função de instruir), orientadores (hoje ainda se usa muito esse termo), e educadores.

Pensando no sentido do processo, o trabalhador tem essa incumbência, e a palavra educador é o que mais se aproxima, ela dá norte, direciona e permite compreender a dinamicidade e a complexidade deste trabalho. Há ainda muitos atravessamentos devido a questão sócio-histórica: muitas vezes o profissional ainda está colado no papel de monitor, principalmente quando precisa manejar alguma situação de conflito na casa e ainda se pensa que aquele sujeito precisa ser punido ou que a polícia precisa ser chamada para fazer essa contenção. Assim contribui-se com uma visão que está ultrapassada e no dia a dia vai se confundindo, por isso, é preciso estar atento para não estar nesse lugar do monitor. Ser educador é ser um facilitador na vida das crianças e dos adolescentes para além da ideia de cuidador, é preciso estar junto e fazer junto com a criança e com o adolescente.

Carla traz trechos do PNCFC e das Orientações técnicas justamente para pensar o papel do educador como aquele que vai auxiliar as crianças e adolescentes a lidar com suas histórias de vida, destacando os avanços a partir dessas diretrizes. Quantos educadores, ao perceberem essas mudanças principalmente em relação às questões étnicos-raciais, se sentem com medo ou receosos em sair de uma lógica que reproduz racismo diariamente. Como vamos entrar em um embate sobre o tema se até 10 anos atrás essa era uma lógica de funcionamento muito bem estabelecida? Existe um desconforto do profissional que tem que lidar com tais demandas, há que se ter discernimento e implicação. Carla convoca com a seguinte pergunta: você já esmiuçou a sua linha do tempo ancestral?  

A especialista trouxe frases de autores como Bell Hooks, Paulo Freire e imagens que retratam propagandas de cervejas, produtos de beleza, exibindo mulheres pretas que são extremamente ofensivas e racistas, e que de alguma maneira são circuladas em rede nacional e nas mídias. Fala sobre o quanto esse tipo de anúncios e propagandas são extremamente preconceituosas e racistas, além de objetificar o corpo da mulher. É importante ter esse cuidado para não reproduzirmos essa ideia com as meninas, fazendo o recorte da mulher. Carla diz que se no serviço de acolhimento no qual você atua ainda não vivenciou nenhuma situação de racismo, se faz necessário trocar a lente.

Carla propõe que todos pensem em estratégias, inclusive olhar para o PPP da instituição para pensar uma lógica antirracista dentro dos serviços de acolhimento. Um primeiro ponto é reconhecer o racismo estrutural, em seguida a questão da branquitude, privilégios e meritocracia. Como  conversar com um adolescente baseado na meritocracia? Muito complexo, pois usando esse discurso o jovem não se sentirá escutado. É importante discutir o que são os privilégios, o resgate da memória e empoderamento, trazendo sentido para a história, contando sobre o que vieram antes.

Carla cita Carlos Eduardo Machado para pensar nas potências e no quanto o preto foi colocado em um lugar de não saber, de incapacidade de pensar. Esse autor traz a questão das tecnologias, geometria, métrica até para fazer as tranças - muitos usavam tranças para se localizar, pois nelas continham mapas. A representatividade e autoestima, são importantes porque as crianças pretas não são desejadas nos ambientes - como trazer figuras em que elas possam se reconhecer, contar a história que a antecede. Valorização da coletividade da cultura local, importante pensar no território quais são os meios de cultura local em  que as crianças e adolescentes possam ser inseridos:  bibliotecas, coletivos pretos, espaços em que eles possam circular e se ver de um jeito diferente, a partir de suas potências. Quem são os parceiros que podem contribuir com essas práticas dentro dos serviços? Escuta afetiva e olhar ampliado ouvir para além do dito, das palavras, o que é o desejo dessa criança, o que ela está querendo comunicar, ampliar as possibilidades de escuta. Muitas vezes a criança está trazendo questões que não somente delas, são da família e do território. Inquietude e abertura de outras possibilidades, pensando neste lugar do educador de convocação e provocação, permitir se olhar através do que está cristalizado em mim, me movimentar para quebrar preconceitos. Nutrir o cuidado com a comunicação, como cuidamos da forma como estamos nos expressando, como vamos nomeando e ajudando as crianças e adolescentes a ir nomeando o cabelo, a cor da pele. Existe uma diferenciação e é preciso falar sobre isso, perguntar como aquela criança quer se apresentar, os penteados que ela quer, o quanto essa criança e adolescente podem escolher como querem estar penteadas, pensar nos produtos. Tomar cuidado como me expresso: “cabelo ruim”, “moreninho”, educador como facilitador do processo.

implicação da sociedade, ou seja, não são só negros que precisam falar sobre racismo, precisamos saber dos efeitos que o racismo causa pensando de forma concreta e subjetiva, se faz necessária a implicação de todo mundo para que possa haver alguma mudança. E, por fim, ampliar o pensamento para uma perspectiva decolonial como olhamos o fenômeno de um jeito diferente, e há condições de subverter.

Por fim, Carla traz algumas sugestões de materiais de apoio, vídeo, filmes, música, livro. Antes do encerramento houve um momento de dramatização para que os participantes pudessem compartilhar e trocar algumas situações de racismo vivenciados nos serviços de acolhimentos, foi um momento de muita reflexão e de tensão diante de um tema tão complexo, porém necessário. Assim se deu a oficina neste dia.

Caso tenha interesse em assistir a oficina na íntegra, acesse.

 

 

 

Oficina "O papel do educador"

Oficina "O papel do educador"

No dia 17 de maio de 2022, o Instituto Fazendo História realizou a oficina online “O papel do educador”, que contou com a participação de Tião Rocha, antropólogo, educador popular, folclorista e idealizador e diretor-presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) e do Banco de Êxitos S/A – Solidariedade e Autonomia, ambos em Belo Horizonte/MG.

Tião inicia dizendo que esse encontro era muito mais do que uma palestra: seria um espaço de troca de confidências, desejos, sonhos e frustrações. Esperava, assim, que aquele dia, como dizia Guimarães Rosa, fosse uma “tarde barriguda”, um momento de acolhimento e de suporte, onde se pudesse pensar sobre coisas boas pelas quais vale a pena lutar.

Em seguida, Tião conta de sua trajetória de muitos anos como professor e de um dos “clarões” que teve há 40 anos, um lampejo de consciência tão forte que o fez mudar de rumo na vida: chegou na Universidade e decidiu que não queria mais ser professor, e sim educador. Para ele, enquanto o professor é aquele que ensina, o educador é aquele que aprende. E era exatamente o que buscava: sair do lugar da “ensinagem” para ir para a aprendizagem, quando rompe com a universidade para se tornar um aprendiz.

Foi nesse momento que ele criou a sua própria instituição, o CPCD, ao qual hoje se dedica integralmente e que reencaminhou o seu sentido de existir. Tião vai narrando uma série de causos e histórias marcantes em seu percurso, partindo da experiência de Curvelo (MG), “capital da literatura” de Guimarães Rosa e seu grande laboratório de aprendizagem, onde se junta com parte da comunidade, interessado em repensar as formas de educar.

Se perguntavam se era possível educar fora da escola, debaixo dos pés de manga, e, de início, tinham muito claro aquilo que não queriam mais que acontecesse com as crianças, os “não objetivos educacionais”, mas tinham dificuldade de projeção de futuro. Ele faz, então, uma crítica à nossa experiência educacional tradicional, a qual deveríamos desaprender, parando de reproduzir ideias que entendem as crianças como “páginas em branco prontas para escrever um belo livro”, que negam sua história de vida e sabedoria e atrelam o aprendizado a algo doloroso.

Tião conta dos erros e acertos em sua caminhada, criando estratégias para que as meninas e os meninos da região se sentissem pertencentes ao projeto, de modo que todas as propostas que traziam fossem incluídas e todos assuntos fossem transformados em coletivos. Nesse percurso, ampliaram-se os espaços educativos para diferentes lugares da comunidade. Os conteúdos englobavam todos os saberes, fazeres e quereres das crianças envolvidas e a forma de aprendizado se dava primordialmente por meio da roda, o que chamaram de Pedagogia da Roda: não havia “dono”, ela se movia a partir dos assuntos propostos e, assim, da construção de consensos.

Ao apresentar o que considera uma educação de qualidade, Tião enfatiza a necessidade do eu e do outro, como um processo de troca do que cada um tem, construindo-se algo novo, em conjunto. E que para formar bons educadores - o que já fez pelo mundo e em lugares inusitados, desde a periferia de São Paulo até Moçambique - é essencial todos se colocarem no lugar de aprendizes, movidos a perguntas. Na construção do projeto “Ser Criança”, experimentaram uma proposta na qual as meninas e meninos aprendiam tudo o que queriam, desejavam e precisavam brincando.

O investimento estava no prazer de aprender, transformando os conteúdos escolares em jogos e brinquedos, que eram inventados, partindo dos materiais descartáveis que encontravam na comunidade. A grande questão que se colocava era: de quantas maneiras diferentes e inovadoras eu posso usar um recurso? E assim, contemplar diferentes individualidades e diferentes objetivos educacionais, como a alfabetização e a construção de uma cidade educadora, para que ninguém ficasse de fora?

Nesse momento, Tião aborda aspectos fundamentais do trabalho de um educador, como a importância de se desenvolver um olhar individualizado para cada criança e adolescente, percebendo o tempo e o ritmo de cada um: toda criança aprende o que necessita, em um tempo que é dela e não do sistema. Em sua concepção, um bom educador é aquele que, em seu contexto profissional de ação, consegue fazer uma leitura tão densa, rica e significativa do que o outro sabe, faz e quer a ponto de diferenciar “piscadela de piscadela”, considerando aquilo que é microscópico e se manifesta em “pequenos nadas”. E que, assim, contribui para que esse processo se dê em um lugar de alegria, de prazer e de construção do novo. A oficina de cafuné, por exemplo, surgiu quando se identificou que não fazia parte da rotina de muitos adolescentes essa prática de carinho, inventando um espaço para se falar de afetos e cuidado um com o outro.

Nos últimos trinta minutos de encontro, abrimos para os participantes trazerem questões para a troca com Tião, quando se discutiu o lugar do educar dentro dos Serviços de Acolhimento e a importância de um olhar individualizado para cada uma das crianças e adolescentes, captando seus sinais, códigos, o universo que os rodeia e, assim, suas histórias como um todo. Tião levanta a ideia da cidade como educadora e acolhedora e, nessa perspectiva, como as crianças devem ser cuidadas por todos e responsabilidade de todos, “convocando a aldeia” e investindo nas potencialidades de cada um. Parafraseando Eduardo Galeano em “O livro dos Abraços”, ele traz que é quando o educador reconhece o “me ajuda a olhar” da criança e do adolescente e integra ao seu “me ensina o que você viu” que um diálogo de fato se estabelece e surge a possibilidade de um processo transformador.

A oficina finaliza com uma reflexão bem interessante sobre o educador como aquele que inventa sua forma de fazer, sendo mais que “um repassador das ideias dos outros”, e realizando o ainda não feito: aquele que olha o outro como um cidadão inteiro, que participa da construção do conhecimento. Ao dialogar com um educador que se apresenta, Tião parabeniza pelo trabalho que já é realizado nos Serviços de acolhimento, pela construção constante de cada profissional como educador, e ainda convida a ir além, quebrando paredes e convocando a rua, as comunidades para esse percurso de acolher e educar.

O conteúdo da oficina está integralmente disponível no canal do Instituto Fazendo História no YouTube.

Oficina - Saúde Mental e Medicalização: Como cuidar no acolhimento?

Oficina - Saúde Mental e Medicalização: Como cuidar no acolhimento?

No dia 13 de Abril de 2022 o Instituto Fazendo História realizou a oficina presencial com o tema: “Saúde Mental e Medicalização - como cuidar no acolhimento?”, que contou com a participação das especialistas: Fernanda M. P. de Resende, médica psiquiatra formada pela USP, mestra pela UNIFESP, trabalha na saúde pública desde 2007, em CAPSiJ e NASF, e, Luana Marçon, terapeuta ocupacional, mestra e doutoranda pela UNICAMP, na área de Política, Planejamento e Gestão.

A abertura da oficina se deu com a fala da psiquiatra Fernanda comentando que os maiores especialistas são as crianças e os adolescentes uma vez que são eles que vivenciam cotidianamente o sofrimento, Fernanda fala da importância de ter seu percurso profissional no SUS, e que a partir dessa experiência encontra outras formas de cuidar dos pacientes infanto juvenis para além da medicalização. Comenta que seu trabalho está na contramão da medicalização de crianças e adolescentes, enfatizando os seguintes pontos: o perigo da patologização precoce, considerando a idade, as fases do desenvolvimento daquele sujeito, a história de vida, o contexto no qual ela está inserida, a cultura e a socialização.

 A especialista conta que a questão da medicalização não se trata apenas de administrar “essa” ou “aquela” medicação, devendo-se considerar todos os fatores acima descritos.  Fernanda citou o exemplo do uso excessivo da Ritalina, reforçando que há estudos tanto no Brasil como nos Estados Unidos que seu uso está em uma porcentagem muito alta. Alerta sobre o perigo de profissionais e familiares por essa busca desesperada por um diagnóstico, sendo que pode haver profissionais que avaliam sem a devida atenção e cuidado que esse paciente merece, questionando a necessidade de na primeira consulta a criança já ser medicada.

Fernanda também aborda o uso excessivo da Ritalina e da Risperidona, uma vez que não existem estudos suficientes sobre os efeitos desses medicamentos em crianças. Os adultos passam a buscar incessantemente rótulos, como o TDAH, que é aquela criança agitada, que não para na cadeira, tem dificuldade em se concentrar, tem dificuldade na aprendizagem, não estuda muito, mas tanto na realidade dos serviços como fora dele, não é difícil encontrar crianças assim. A criança tem muita energia, é corpo, é movimento, e qual tem sido o benefício ofertado para as crianças e adolescentes quando introduzimos a medicação? Será que a criança está em sofrimento ou será que são os adultos que não estão conseguindo lidar com seus comportamentos? Existe uma cultura que diz que devemos interditar as crianças.

Para tanto, a especialista traz o DSM V, que define as categorias (classificações diagnósticas), mostrando o quanto tem aumentado o número de diagnósticos na infância, e como tais critérios vão se alargando, e mais pessoas foram entrando no diagnóstico, como por exemplo o autismo, e vão escalando em níveis, tais como: leve, moderado e grave, entre outros transtornos mentais, como depressão, ansiedade, TDAH.

Fernanda comenta que na década de 60/70, houve um avanço no estudo da infância, e cada vez mais as famílias vão se sentindo pouco autorizadas a cuidar das crianças, buscando por especialistas, por psicólogos e etc, perdendo assim a capacidade de cuidar de seus filhos. Ela também cita como o neoliberalismo influencia diretamente no processo de medicalização, e o quanto esse sistema vai definindo algumas formas de viver, de nos portar, de nos comunicar, incentivando o individualismo e exigindo que o sujeito tenha performance. O aumento do uso de Ritalina vem para aumentar a performance, passando a ser usado por universitários, porque isso aumenta a concentração, mesmo sem eles terem algum tipo de diagnóstico, uma vez que a sociedade passa a olhar para o sujeito como alguém que precisa entregar resultados, mesmo com os riscos do uso.

A especialista também destaca o avanço da psiquiatria biológica a partir da década de 50, que começa a desenvolver os medicamentos e gera uma “febre” com a possibilidade mudar o comportamento das pessoas com determinada medicação. A indústria farmacêutica investe e ganha muito com isso e as pesquisas de novas medicações são patrocinadas pela indústria farmacêutica. Importante ressaltar que muitos medicamentos não possuem estudos dos efeitos de dependência e as pessoas não conseguem largar, alertando que deve existir uma cautela no uso de qualquer medicação.

No final de sua fala ela traz um trecho do filme System Crasher, na tradução do Brasil “Transtorno Explosivo”. O vídeo traz uma criança que tem questões de agressividade e é acolhida, por sua mãe não conseguir lidar com seus comportamentos, e então passam a olhar e cuidar dela como uma criança que possui questões de saúde mental e deixam de considerar sua história. Fernanda finaliza dizendo sobre os efeitos colaterais das medicações, a curto prazo e a longo prazo, impacto na subjetividade e controle dos corpos. Efeitos a curto prazo:  sonolência, diminuição de apetite, dificuldade de concentração, apatia. Enfatizou o quanto se perde da infância quando a criança toma  medicação - o contato com a fantasia, com o sonho e com o onírico. A longo prazo: muito ainda não se sabe, mas pode ter alteração no crescimento (abaixo do esperado), pouco ganho de peso, ginecomastia (crescimento dos seios tanto em meninas como meninos), alteração dos movimentos, tremores, assim como questões neurológicas e comportamentais, sem contar o impacto na subjetividade, o quanto a criança se sente incapaz de lidar com seus próprios conflitos, porque ainda está em desenvolvimento. 

Em seguida, a especialista Luana inicia sua fala mencionando que poderia discorrer sobre ter sido uma criança diagnosticada na infância e o quanto a escolha de sua profissão (Terapia Ocupacional) tem a ver com a proximidade de sua mãe em serviço de acolhimento. A especialista convoca os profissionais ali presentes a se reverem enquanto sujeitos que darão possibilidades para que as crianças se expressem em suas diferentes singularidades, e o quanto os adultos (nós), estamos reduzindo a nossa capacidade de pensar e fantasiar junto - a infância pode ser um lugar que está em todos nós. Luana destaca que tanto ela quanto Fernanda partem do princípio que existem crianças que possuem sofrimento psíquico grave e crianças em processo de adoecimento mental. Porém, apesar de existirem essas crianças, muitas vezes elas não têm acesso ao tratamento. Mesmo assim, em nossa sociedade, estamos medicando um número cada vez maior de crianças que não possuem nenhum tipo de transtorno mental e isso inverte o nosso problema, traz um modo empobrecido de pensar a infância e as possíveis soluções. A especialista provoca o público a ler poesias, autores que tirem desse lugar do não pensar além.

A questão da medicalização atinge todos nós, mas o eixo de crianças e mulheres é atingido de forma brutal e voraz, e se faz necessário fazer um recorte social - de classe, raça e gênero, pois enquanto algumas crianças, adolescentes e mulheres estão buscando acesso, em outros lugares esse mesmo público possui acesso sem dificuldade. De qual lugar falamos? Precisamos compreender que esse lugar do qual estamos olhando para as crianças e adolescentes está envolto de um período histórico e político, pautados por contingências sociais a partir dos marcadores citados. É preciso lembrar que no meio disso tudo a sociedade também exige que essa criança seja um “futuro vencedor”, e aí nos deparamos com o fracasso dessa equipe que não consegue educar e formar de forma suficiente essas crianças e adolescentes, que de alguma maneira já são estigmatizados por essa mesma sociedade.

Luana continua trazendo a importância de historicizar o campo infanto-juvenil e questiona como a psiquiatria começa a se interessar pelas crianças. Diferente do adulto que a psiquiatria vai investigar quem é o louco, no campo da infância a psiquiatria se interessa pelo “vagabundo”, a figura da criança que não pode ser inserida no aparelho social, a que não dá certo na escola, que não cumpre um destino e um projeto familiar. Devemos nos ater nesta premissa para entendermos do ponto de vista institucional que estamos cuidando de algo que foi produzido no século 19. Ainda não há uma preocupação sobre a  loucura da criança, mas sim de corrigir o vagabundo e a idiotia, aquelas crianças que não tem capacidade de aprender, que não vai cumprir um futuro no trabalho. A psiquiatria está preocupada com as instituições totais que vão dar conta dessas crianças, a partir do código de menores, pensando em cumprir um determinado papel que é “punir e disciplinar.”

Quando falamos de medicalização, não estamos falando apenas do olhar do especialista -  todos nós somos em algum nível convocados a narrar a partir de uma linguagem psicológica e psiquiátrica. A especialista dá um exemplo destacando que algumas palavras desapareceram do nosso vocabulário, como angústia, crise existencial, essas palavras foram substituídas por: ansiedade, depressão, insônia, etc.  Pontua que o problema da medicalização diz respeito também a um problema de linguagem, que não cabe somente ao médico especialista, mas de uma linguagem que é nossa, trazendo para a responsabilização de todos que “cuidam dessas crianças”. Para tanto, precisamos convocar o especialista, e todos nós a olhar a criança como um espaço potencial de risco, citando a primeira infância, onde nesses três primeiros anos tudo pode emergir, seja no que diz respeito ao comportamento, qualquer questão genética e do desenvolvimento. Nossa responsabilidade é evitar danos, prevenir riscos e fazer bons encaminhamentos. 

Luana fala do esvaziamento do cuidado de um familiar ou de um educador, ao passo que um certo regime de normas vai se expandindo, como - norma de desenvolvimento, norma de escrever normal, o jeito de falar corretamente. Falamos desse lugar do adulto em experimentar cada vez mais destituídos dessa autoridade que se distancia desse regime de normas, e isso gera uma confusão de que cuidar é vigiar. Ela provoca todos a sair desse lugar, para imaginar outros caminhos possíveis.

A especialista também cita o neoliberalismo como um regime que vai olhar as pessoas e as crianças que cuidamos como um investimento, como um futuro capital humano, e o que quer que falte tem a ver com sua falta de capacidade. Este é um regime de determinação e, no momento que estamos debatendo a identidade de gênero, o mundo avança para fazer chá revelação, para determinar se aquela criança vai ser menina ou menino, antes mesmo de nascer, a criança é individualizada antes de nascer e esse cenário restringe muito a nossa capacidade de lidar com crianças em situações difíceis, em adoecimento, em situação de institucionalização ou violência. 

Em seguida, Luana trouxe duas situações fictícias para se pensar na realidade e no cotidiano do acolhimento com crianças e adolescentes difíceis, refletindo sobre como os educadores podem narrar suas histórias para além das questões e do diagnóstico. O diagnóstico pode ganhar um lugar e ir destituindo tudo que o que se sabe sobre aquelas crianças e quando direcionamos essa criança para um especialista pode gerar um empobrecimento da subjetividade, dos modos de interação com a infância e também vai destituindo os adultos, os educadores do lugar que eles sabem sobre as crianças. Luana chama atenção para quanto fomos condicionando a necessidade das crianças a laudo, condicionando transporte a laudo, apoio escolar a laudo, mas não condiciona as necessidades materiais, concretas e psicológicas das crianças. Portanto, o diagnóstico e a medicina são importantes, mas não são totalizantes para lidar com a infância.

Ademais, a especialista retrata que no começo do século XX, os estudos estavam focados na sexualidade da criança, criança esta que joga, brinca, provoca. Estamos pensando na sexualidade nesse lugar de vida, que impulsiona, que desobedece, que se recolhe. Atualmente estamos lidando com uma certa mortificação desses atos, havendo um desaparecimento do brincar mais genuíno, sem sentido, um brincar que te lança ao risco, da possibilidade de fantasiar. São nesses momentos que a criança está se preparando para o mundo nas brincadeiras que elas mesmas criam. Será que a infância pode ser ao menos um pouco esse lugar que esse corpo que é adulto já passou e compreende de que lugar a criança fala e se manifesta?

Por fim, foi aberto ao diálogo com os participantes que trouxeram dúvidas e reflexões sobre o tema.

A oficina está disponível na íntegra no canal do YouTube do Instituto Fazendo História:

Parte 1:

Parte dois:

Oficina - Sexualidade: qual o limite entre a liberdade e a proteção?

Oficina - Sexualidade: qual o limite entre a liberdade e a proteção?

No dia 06 de dezembro de 2021, foi realizada a oficina “Sexualidade: qual o limite entre a liberdade e a proteção?”, que contou com a participação de Elânia Francisca, psicóloga, especialista em gênero e sexualidade, mestra em educação sexual e educadora em sexualidade no Espaço Puberê.

Oficina - 18 anos: e agora?

Oficina - 18 anos: e agora?

No dia 18 de outubro de 2021 foi realizada a oficina “Entre o acolhimento e a vida adulta”, que contou com a participação das profissionais Luciana Perez, psicóloga, mestre e doutora em psicologia pela UFRGS, Sulamita Assunção, psicóloga, mestra em ciências sociais pela PUCSP e conselheira no CRP e Ingrid Felicio, jovem de 18 anos, moradora da Zona Oeste, trabalhadora e estudante de direito. A mediação foi feita por Lara Naddeo, coordenadora do Instituto Fazendo História, e Daniela Martins, psicóloga e técnica no Programa de Formação do Instituto Fazendo História.

Oficina - Maternidade e cárcere

Oficina - Maternidade e cárcere

No dia 27 de setembro foi realizada a Oficina “Maternidade no Cárcere”, que faz parte do ciclo de oficinas de Acolhimento e Primeira Infância, promovida pelo Instituto Fazendo História. Os palestrantes convidados foram Raum Batista, psicólogo, especialista em Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais (PUC/MG), membro do Movimento Nacional pró Convivência Familiar e Comunitária e consultor do Centro de Estudos da Associação Brasileira Terra dos Homens(ABTH/RJ) e Heloisa de Souza Dantas, psicóloga, Mestre em psicologia comunitária pela Michigan State University, Doutoranda em saúde coletiva. Atua desde 2017 no Leitura Liberta, projeto de mediação de leitura com mulheres no cárcere, e é gerente técnica do Instituto Fazendo História.

Oficina  - Agressividade e Limites

Oficina - Agressividade e Limites

No dia 22 de novembro de 2021 foi realizada a oficina “Agressividade e Limites”, que contou com a participação das especialistas Ada Morgenstern, psicanalista, professora e supervisora do curso Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae, professora do COGEAE-PUCSP, artista plástica, e Valéria Pássaro, pedagoga, com especialização e larga experiência na área de educação e acolhimento. Foi coordenadora da Casa das Expedições, serviço de acolhimento em São Paulo, e, atualmente, diretora executiva da Moradia Associação Civil. A mediação foi realizada por Daniela Martins, psicóloga e técnica no Programa de Formação do Instituto Fazendo História.

Oficina - Mães Negligentes? Os (Des)caminhos dos cuidados de mulheres mães em vulnerabilidade social

Oficina - Mães Negligentes? Os (Des)caminhos dos cuidados de mulheres mães em vulnerabilidade social

No dia 25 de outubro, foi realizada a Oficina “Mães Negligentes? Os (Des)caminhos dos cuidados de mulheres mães em vulnerabilidade social”, como parte do ciclo de palestras de primeira infância e acolhimento do Instituto Fazendo História. Esta oficina contou com Janaína Dantas Gomes, graduada em Direito pela PUC Campinas e em Antropologia Social pela UNICAMP, professora e pesquisados em Direito e Mestre e doutoranda em Direitos Humanos pela USP; Thaís Berberian, mestre em serviço social pela PUC-SP, assistente social do TJSP, pesquisadora convidada do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre criança e adolescentes da PUC-SP e com Sara Luvisotto, assistente social, coordenadora do Serviço de Acolhimento Familiar do Instituto Fazendo História.

Oficina - O trabalho com famílias

Oficina - O trabalho com famílias

No dia 22 de setembro de 2021, foi realizada a oficina “O trabalho com famílias”, com a participação das especialistas Valéria Brahim, psicóloga, terapeuta de famílias com base na Teoria Sistêmica, especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes (USP), e Sara Luvisotto, assistente social e coordenadora do Programa de Acolhimento Familiar do IFH.

Oficina - Racismo e Infância

Oficina - Racismo e Infância

No dia 30 de agosto o Instituto Fazendo História realizou a oficina “Racismo e Infância”, que contou com a participação da pedagoga Luciana Alves, mestre em educação pela USP, doutoranda em educação na UNICAMP e consultora no Centro de Estudos e Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e autora do livro “Ser branco” e de artigos científicos sobre relações raciais e da psicóloga Marleide Soares, que trabalhou com adolescentes em medidas socioeducativas e com crianças e adolescentes em acolhimento institucional e realiza palestras e aulas na temática do racismo na infância e orientações a famílias e educadores para o enfrentamento do racismo.

A formação profissional durante a pandemia - construções e reflexões

A formação profissional durante a pandemia - construções e reflexões

O Programa Formação do Instituto Fazendo História tem por objetivo contribuir com a qualidade do trabalho dos Serviços de Acolhimento para crianças e adolescentes e para a transformação da lógica caritativo-correcional para a lógica protetiva e emancipadora. Suas estratégias envolvem tanto ações de formação e supervisão voltadas para a equipe de cada Serviço de Acolhimento, como encontros para a rede, ofertando formações temáticas e trocas de experiências.

Oficina - Ritos de passagem: chegadas e partidas

Oficina - Ritos de passagem: chegadas e partidas

No dia 23 de agosto de 2021 foi realizada a oficina “Ritos de passagem - Chegadas e Partidas”, que contou com a participação das profissionais Valéria Tinoco, psicóloga, mestre e doutora em psicologia clínica pela PUC-SP, representante da IAN Brasil (International Attachment Network), e Dalizia Amaral, psicóloga, doutora e mestre em teoria e pesquisa do comportamento, especialista em psicologia social e psicopedagogia institucional e psicóloga do Espaço de Acolhimento de Crianças e Adolescentes em Barcarena - Pará.

Oficina - Regras e Rotina

Comment

Oficina - Regras e Rotina

No dia 09 de agosto o Instituto Fazendo História realizou a oficina “Regras e rotina”, que contou com a participação de Cristina Rocha Dias, educadora, psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pelo IPUSP, membro do Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL-USP), membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes, Supervisora institucional e de projetos no campo da infância e adolescência.

Comment

Oficina - O Trabalho com famílias de origem

Oficina - O Trabalho com famílias de origem

No dia 26 de julho o Instituto Fazendo História realizou a oficina “O Trabalho com famílias de origem”, que contou com a participação de Valéria Brahim, psicóloga e terapeuta de família com base na Teoria Sistêmica, especializada em Violência doméstica contra Criança e Adolescentes (USP), e também com Sara Luvisotto, assistente social e coordenadora do Serviço de Acolhimento Familiar do IFH.